Prestes a completar 130 dias, neste domingo (22), do assassinato brutal da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), a voz de Marinete da Silva, sua mãe, ressoa alta e triste. Durante o 2º Festival Internacional da Utopia, ela fez uma fala para manter o legado e memória de sua filha vivos, saudou a geração de mulheres que está entrando na política, mas demonstrou preocupação com o uso do nome de Marielle.
“Não queremos que ela seja usada somente nesse momento político de eleição. E se pararem de falar, eu vou continuar falando porque eu sou mãe e esse sentimento não vai parar nunca”, pontua Marinete que, no entanto, se diz feliz em ver as sementes plantadas por sua filha florescendo.
“São seis acampamentos com o nome da Marielle hoje dentro do MST, tem várias organizações de direitos humanos e que pautam as desigualdades usando o nome da minha filha. As sementes vão surgindo, espero que prosperem. Minha filha é uma semente boa”, acredita. “Isso faz muito bem para a gente, mas não quer dizer que seja um privilégio, nem para mim nem para minha família porque eles [os assassinos] foram muito cruéis”.
Preocupada com a falta de respostas sobre o mandante da execução de Marielle, e tendo que seguir com sua vida de trabalho e cuidado da família, Marinete conversou com a equipe do Brasil de Fato sobre o que tem pensado e sentido nos últimos meses e como têm elaborado a perda e o legado de Marielle. Confira a entrevista na íntegra e assista o vídeo abaixo.
Brasil de Fato: Como tem sido os últimos meses?
Marinete Silva: Um sentimento de muita dor. Não é só a perda humana, perda física. Marielle era uma base, uma estrutura de família, uma filha muito boa. Chegou onde chegou com muita resistência e vontade de fazer o bem. Não começa como parlamentar, começou muito antes de ela entrar até na comissão de direitos humanos, onde ela ficou por dez anos. Ela teve uma base do pré-vestibular comunitário, da catequese, base de trabalhar com mulheres, de defender os direitos, dar voz as pessoas que não tinham. Marielle abraçava essas causas, defendia de um jeito muito coerente. Ela defendia a todos, era voltada aos humanos. Ela fez isso a vida toda, mas de uma maneira mais resistente e com mais garra, quando chega ao parlamento, o que não garantiu a integridade física dela.
Sem nunca pensar que seria atacada dessa forma...
Acho que faltou isso. Minha filha foi uma mulher tão aberta, tão brilhante no que fazia, em nenhum momento se preocupou que teria sua vida roubada desta maneira. A gente também não imaginava. Foi um golpe. Uma covardia tão grande. Eu digo que naquele momento minha filha era como uma criança inocente. Ela foi tirada da gente. Levou a vida dela, mas a nossa também. Nós nunca mais seremos os mesmos, não só na família mas também no mandato, pessoas que conviviam com ela. Mas ao mesmo tempo tem uma pessoa que planejou tudo isso. Então, é uma preocupação, uma cobrança todos os dias, é o que a gente quer. Confio na polícia, preciso ter essa esperança, como mãe, mas sabemos que isso não pode ser resolvido de forma tão rápida. A gente está na esperança, que não podemos perder, nem por mim, nem por minha filha e nem pela filha dela. A gente precisa saber quem e porque matou a Marielle.
Como é para a senhora estar em espaços como esse do Festival da Utopia?
Eu não posso estar em todos os espaços como esse. Tenho ido em algumas coisas, mas não dá para ir em todos porque eu tenho que seguir minha vida, continuar trabalhando, minha outra filha também tem o trabalho dela, uma filhinha pequena. Não podemos largar tudo, mas sempre que podemos estamos nesses espaços.
Não em todos também porque temos que tomar cuidado, é ano eleitoral, estão usando o nome da minha filha para muita coisa, então a gente tem que ter essa sensibilidade também. Está vindo ai uma chapa de mulheres muito grande e elas tem que vir com tudo e com muita responsabilidade.
Não dá para mensurar o que a gente passa. É claro que é muito bom chegar nos espaços ter o nome da minha filha e ser pautada a luta que ela carregava de uma maneira tão boa como ela fazia. Isso faz muito bem para a gente, mas não quer dizer que seja um privilégio, nem para mim nem para minha família porque eles foram muito cruéis.
Essas movimentações a partir da luta da Marielle são formas de justiça para você?
É uma forma de justiça e também de reconhecimento do trabalho dela. Tem seis acampamentos com o nome da Marielle hoje dentro do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], tem várias organizações de direitos humanos e que pautam as desigualdades usando o nome da minha filha, e que consigam seguir em frente. As sementes vão surgindo, espero que prosperem. Minha filha é uma semente boa, independente de ser minha filha ou não, é uma mulher que estava ai, indo além do que a gente imaginava. Não queremos que ela seja usada nesse momento político de eleição, quando pararem de falar, eu vou continuar falando porque eu sou mãe e esse sentimento não vai parar nunca.
Edição: Mariana Pitasse