“O que aconteceu ontem está completamente fora do padrão esperado do Judiciário”, é o que afirmou Beatriz Vargas, professora de Direito da Universidade de Brasília (UnB), sobre as ações do juiz de primeira instância Sérgio Moro, do desembargador Gebran Neto e do presidente do TRF 4, Carlos Eduardo Thompson Flores, contrárias ao habeas corpus concedido pelo desembargador Rogério Favretto, do TRF 4 ao ex-presidente Lula.
Em entrevista concedida à jornalista Anelize Moreira, na Rádio Brasil de Fato, Vargas afirma que o despacho publicado pelo juiz Sérgio Moro neste domingo (8) foi de um “comportamento muito ativista”. No despacho, Moro afirma que Favretto "é autoridade absolutamente incompetente para sobrepor-se à decisão do colegiado da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e ainda do plenário do Supremo Tribunal Federal”.
“É intrigante que ele (Moro) tenha pegado a caneta e proferido algo que ele chamou de ‘decisão’; pela leitura a gente vê que de decisão não tem nada, é um pedido de esclarecimento sobre como proceder, em um caso em que a ele não compete mais nenhum tipo de procedimento”, afirmou Vargas.
“Ainda que essa decisão seja contestável, o que surpreende muito é que ela ativou um comportamento muito ativista, nunca verificado; eu, pelo menos, nunca vi uma situação igual a essa”, disse ainda.
A professora explica que, a partir do momento em que Moro deu a sentença no caso, ele deixou de ter jurisdição sobre ele.
Fraco
Na noite do domingo, Thompson Flores revogou a decisão de Favretto e afirmou que a decisão final é de Gebran Neto, relator do processo, mantendo assim, a prisão de Lula. O presidente do TRF 4 afirmou que o “conflito positivo de competência em sede de plantão judiciário não possui regulamentação específica e, por essa razão, cabe ser dirimida por esta Presidência”.
Para Vargas, essa solução apresentada é questionável: “É frágil, fraca a argumentação de que há um conflito positivo de competência. Nunca se invocou essa argumentação para anular a decisão de um juiz plantonista. Não se coloca em dúvida a competência desse juiz nas circunstâncias em que a ordem foi dada”.
Em relação a medida que deveria ser tomada, Beatriz afirma: “Se alguém está insatisfeito com a decisão do desembargador plantonista, dentro do modelo normal, isso produz um recurso, por exemplo, do Ministério Público que será examinado pelos órgãos competentes, como o próprio TRF 4 ou de jurisdição superior”
“Mas o que causa surpresa, é ver como essa regra de funcionamento do judiciário, que é uma regra prévia pra evitar justamente uma queda de braço, como essa regra é quebrada com um argumento frágil como esse. Não acredito que haja substrato suficiente para falar em conflito de competência”, completou a professora.
Questão de fundo
Segundo a jurista, para evitar situações como esta, o STF deveria ter julgado as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, que pretendiam que o STF revisse seu entendimento sobre a prisão após condenação em segunda instância.
“Nada disso aconteceria se as ADCs 43 e 44, que questionam a própria constitucionalidade da execução provisória da condenação antes do trânsito em julgado, já tivessem sido examinadas pelo Supremo”, afirma a jurista.
"Ao contrário do que algumas pessoas sustentam, que essa decisão já está consolidada, já foi tomada, existem inúmeras dúvidas a respeito da validade, da constitucionalidade dessa decisão. Essa decisão não resolveu o centro do debate, o que inclusive da margem a que um desembargador pense diferente", conclui.
Edição: Mauro Ramos