Fiscalização

Hydro não faz controle de metais pesados no rio Pará, aponta CPI

Presidente mundial da empresa terá de depor na Assembleia Legislativa do Pará

Brasil de Fato | Belém (PA) |
Há 24 inquéritos policiais abertos desde 2003 que registram crimes ambientais de diversas empresas instaladas em Barcarena
Há 24 inquéritos policiais abertos desde 2003 que registram crimes ambientais de diversas empresas instaladas em Barcarena - Foto: Pedrosa Neto / Amazônia Real

A empresa Hydro Alunorte não realiza um controle de análises de metais pesados de seus efluentes que são despejados no rio Pará, em Barcarena. Essa foi uma das conclusões ocorridas durante audiência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) realizada nesta quinta-feira (28) no auditório da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), que investiga os crimes ambientais naquele município.

Durante a sessão, foi feita uma acareação entre pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), do Instituto Evandro Chagas (IEC), do Centro de Perícia Renato Chaves (CPRC) e representantes da empresa SGW Services, contratada pela mineradora.

De acordo com os depoimentos colhidos, a empresa faz apenas o monitoramento de PH e turbidez de seus efluentes de rejeitos químicos, o que deixou evidente para o relator da CPI, deputado Celso Sabino (PSDB), que a empresa não se preocupa com as análises de metais pesados.

“Foi categoricamente afirmando hoje [28] que a empresa não controla os metais pesados lançados através de seus efluentes nos rios da região, e isso faz com que a gente tenha aqui uma das maiores incidências de metais pesados nos igarapés, rios e nos mananciais”, disse.

Clique e assista ao documentário produzido pelo Brasil de Fato sobre os crimes ambientais em Barcarena: Tinha Gosto de Perfume - Barcarena e os crimes ambientais

A sócia-diretora da SGW, Andrea Barbin Aluani, confirmou que a empresa não faz monitoramento de presença de metais pesados como chumbo e alumínio, encontrados em altas concentrações nos rios e igarapés onde vivem comunidades tradicionais no entorno da empresa. Esse controle é solicitado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas-PA).

A CPI foi instaurada após o vazamento de rejeitos químicos do processo industrial da bauxita de uma das bacias da empresa, em fevereiro deste ano. Contudo, ao longo de décadas, Barcarena registra sucessivos episódios de crimes ambientais ocasionadas pelas indústrias instaladas no município, o que ficou evidente nos 24 inquéritos abertos sobre o assunto, cujo primeiro registra data de 2003. 

"O Pará é o paraíso das indústrias; podem vim aqui e contaminar porque o órgão ambiental não cobra nem análise de metais pesados", declara a professora da UFPA Simone Pereira durante a CPI / Foto: Carlos Boução/Alepa

Para a pesquisadora Simone Pereira, do Laboratório de Química Analítica Ambiental (Laquanan), da UFPA, que estava presente na CPI e que há anos desenvolve estudos na região, a explicação para os sucessivos danos socioambientais registrados nas últimas décadas se deve à ausência de atuação da Semas e da Justiça do estado.

“Para mim é muito simples, você tem um órgão de controle ambiental que não controla absolutamente nada e uma justiça extremamente lenta que não julga absolutamente nada”.

Procurada pelo Brasil de Fato, a Semas não respondeu aos questionamentos encaminhados pela reportagem, como, por exemplo, se solicita da empresa monitoramento de análise para metais pesados de seus efluentes. Uma nota enviada pela assessoria de imprensa apresenta informações sobre ações de fiscalização da secretaria junto à Hydro depois do vazamento, confirmado pelo laudo do IEC.

Em nota, a Hydro Alunorte afirmou que o monitoramento ambiental de metais em seus efluentes tratados são “realizados em conformidade com a Licença de Operação expedida pela Semas, responsável pelo licenciamento do empreendimento”. A empresa “reitera que não houve vazamento ou transbordo nos depósitos de resíduos de bauxita da refinaria nem nas bacias que compõem o sistema de tratamento de efluentes industriais”.

A liderança comunitária Eduardo Cravo, da comunidade quilombola de Burajuba e que acompanhou os depoimentos na CPI, disse que enquanto as comunidades só recebem água da mineradora depois que o Ministério Público a obrigou, as “empresas contratadas pela Hydro, tanto essa quanto outras, estão ganhando milhões e milhões”.

Durante a oitiva, foi declarado que a SGW foi contratada por um valor de R$ 195 mil.

Alumínio

Um dos momentos de maior tensão da acareação foi o confronto de informações sobre a quantidade encontrada de alumínio no rio Murucupi pelo IEC e pela SGW.

Pelas análises dos pesquisadores do instituto, foi verificada uma concentração de 2.479 microgramas por litro. As amostras da empresa contratada pela Hydro, porém, apontaram uma concentração de 731 microgramas por litro do metal. De acordo com a resolução 357 da Conama, o limite máximo do metal que pode ser encontrado na água in natura é de 100 microgramas por litro.

A área do círculo desenhado sobre o mapa demonstra os locais onde foram feitas as coletas de água do rio Murucupi, em Barcarena, para testes

As amostras de água do rio Murucupi, tanto pelo IEC quanto pela SGW, apontaram que eram trechos de áreas em comum. A nascente do rio está localizado próximo da bacia de rejeitos e da indústria de alumina da empresa.

Mesmo apresentando uma quantidade fora dos padrões da legislação ambiental, Aluani, da SGW, argumentou não ser possível determinar se a concentração do metal é proveniente da atividade da empresa ou se é normal para a região. Para tanto, segundo ela, seria necessário uma coleta maior de amostras. Aluani disse ainda que estudos da década de 1980, antes das instalações da empresa, já registravam índices de alumínio em torno de 430 microgramas por litro, argumento que foi refutado por Simone, da UFPA.

"À medida que se diz que 700 pode ter um adendo natural... Claro que sim, mas você tem um aumento não encontrado em nenhum rio na Amazônia”, apontou a pesquisadora da Universidade Federal.

Pereira ainda sustentou que o laboratório de pesquisa desenvolveu um estudo em 2006, ano que não houve registro de vazamentos no rio Murucupi, e verificou-se que a concentração do metal era 200 microgramas por litro, ou seja, muito aquém dos dados apresentados por ambos os lados.

As altas concentrações de alumínio no corpo humano causam severos danos à saúde, como problemas renais e de pele, podendo evoluir para quadros de demência por danos neurológicos, como explicou Marcos Miranda, médico e pesquisador em saúde pública da seção de meio ambiente do IEC. No entanto, ele destacou que o contato frequente, mesmo em baixas quantidades de metais pesados, pode ocasionar os piores danos.

“Os níveis mais baixos de contato com os metais são o que mais produzem prejuízos à saúde humana, inclusive na formação, na gênese, de quadro neoplásicos, ou seja, de câncer, então não temos que pensar que precisamos de um nível muito elevado para um indivíduo apresentar qualquer sintomatologia. Esse uso continuado, esta convivência com esses metais, é que levam esse indivíduo a realmente adoecer”. 

A CPI tem previsão para concluir o trabalho de investigação em setembro. De acordo com o relator, ainda serão ouvidos o presidente mundial, Svein Richard Brandtzæg, em teleconferência prevista para o dia 30 de julho, conselho administrativo e diretores, além de funcionários da empresa que estavam trabalhando no dia 16 e 17 de fevereiro, data do transbordo.

Edição: Diego Sartorato