Passados três meses da execução da quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro em 2016, o crime segue sem resposta. Marielle Franco, do PSOL, ficou conhecida por seu histórico de defesa dos direitos humanos e por fazer política articulando cirurgicamente as questões de gênero, raça e classe. Dias antes de seu assassinato, ela foi nomeada relatora da comissão criada na Câmara de Vereadores para monitorar a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.
Na manhã desta quarta-feira, familiares de Marielle acompanharam a ação realizada pela Anistia Internacional em frente ao prédio do Ministério Público (MP) do Rio. Renata Neder, coordenadora de pesquisa, políticas e advocacy da entidade classificou o silêncio das autoridades sobre o fato como "preocupante". Segundo ela o ato que culminou na entrega de ofício pedindo atuação mais firme do MP é uma cobrança necessária.
"A Anistia Internacional também espera que o Ministério Público exerça seu papel de controle externo da atividade policial, acompanhando e monitorando a atuação da Polícia Civil nas investigações." , diz Renata. Para ela, o MP precisa reafirmar o comprometimento e prioridade no caso.
O Ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou em áudio divulgado por meio de sua assessoria de imprensa, que o caminho da investigação aponta, sem dúvidas, para a responsabilização das milícias.
"Esse caso também teve impacto internacional. O que de fato acontece é que esse é um crime de desvendamento complexo. Pelo menos até onde eu saiba, e eu devo voltar ao Rio essa semana, não se tinha informação do motivo. Qual foi a ameaça? Qual foi o conflito que Marielle se envolveu para que acontecesse essa tragédia que aconteceu com ela. Evidentemente tem indícios que apontam com clareza para milícia", afirmou o ministro.
A sofisticação do assassinato corrobora para essa versão pela premeditação do crime e o profissionalismo dos executores. Agora a Polícia Civil investiga se Marielle era alvo de escuta. Segundo informações divulgados pelo jornal O Globo, pessoas ligadas ao gabinete relatam que as placas do teto foram alteradas depois do recesso do final do ano.
Vice-coordenadora da comissão externa da Câmara dos Deputados criada para acompanhar as investigações sobre os assassinatos, a deputada federal do PCdoB Jandira Feghali afirma que também está estranhando a demora na resolução do crime
"Até agora não temos notícias concreta e objetiva sobre as investigações, já fizemos reuniões várias vezes com autoridades policiais e da intervenção, já fizemos reuniões com entidades da sociedade civil, reuniões fechadas com criminalistas e peritos e agora vamos ao Ministério Público", disse Feghali.
Mais do que quem puxou o gatilho, a motivação do crime é decisiva para compreensão do caso no país que tem um vereador morto por mês segundo dados da União de Vereadores do Brasil (UVB). Entre 2017 e março deste ano, mês da morte de Marielle, pelo menos 23 prefeitos e vereadores foram assassinados no Brasil.
De grande complexidade, a própria Polícia Civil comparou as investigações a outros casos como os assassinatos da juíza Patrícia Acioli, em 2011, e do pedreiro Amarildo Dias de Souza, em 2013. No entanto, ambos demoraram cerca de dois meses para serem finalizados enquanto as mortes de Marielle e Anderson seguem por 90 dias sem respostas.
Para Feghali as mortes têm conjunturas bem diferentes, sobretudo, por Marielle e Anderson serem executados num contexto de intervenção militar no Rio de Janeiro.
"O crime da Amarildo e da Patrícia têm características diferentes, o crime contra Marielle tem característica de crime político muito mais evidente e aconteceu sob intervenção [federal/militar], tem complexidade maior no ponto de vista do simbolismo e do que envolve", disse a deputada federal do PC do B.
Jandira pontua que a comissão que não investiga, mas acompanha, vai ter que aumentar o nível de cobrança junto ao MP e a Polícia Civil.
Linha do Tempo do crime
14/03 - Pelo menos 13 tiros foram disparados contra o carro que levava a vereadora Marielle Franco. Quatro deles atingiram Marielle na cabeça que morreu na hora, assim como seu motorista, Anderson Gomes, baleado nas costas.
15/03 - É criada e instalada, no âmbito da Câmara dos Deputados, a Comissão Externa destinada a acompanhar, no Rio de Janeiro, as investigações referentes aos assassinatos tendo como Coordenador o deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ), a deputada Jandira Feghali como Vice-Coordenadora e o deputado Glauber Braga como Relator.
16/03 - Constatou-se que a munição (lote UZZ18) pertencia a um lote vendido para a Polícia Federal de Brasília em 2006. Munição do mesmo lote já foi utilizada em diversos crimes no país, inclusive na Chacina de Osasco (uma das maiores da história do Brasil).
21/03 - A comissão externa da Câmara dos Deputados criada para acompanhar as investigações sobre os assassinatos faz sua primeira reunião. Soube-se que cinco das 11 câmeras de trânsito da Prefeitura do Rio que estavam no trajeto de Marielle estavam desligadas.
29/03 - O Secretário de Estado de Segurança do RJ, o general Richard Nunes afirmou em entrevista que a investigação caminha no sentido de confirmar a tese de que fora um crime com motivações políticas.
03/04 - Após cogitar a possibilidade de federalização da investigação, o Conselho Nacional do Ministério Público decide manter, no âmbito estadual, a investigação do órgão sobre o caso.
04/04 - Investigadores descobrem o número do celular do motorista do carro usado no dia dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson.
14/04 - Um mês depois da execução. O secretário de Estado de Segurança Pública, general Richard Nunes, afirmou na imprensa que foram descartadas possíveis motivações pessoais ou uma suposta retaliação de funcionários do gabinete de Marielle. Vários vereadores foram chamados para prestar depoimento, entre eles Marcello Siciliano, do PHS. Manifestações em diversas cidades do Brasil e do mundo realizaram atos pedindo justiça e contra a intervenção militar do estado do Rio de Janeiro.
24/04 - É anunciado o fim da perícia, 41 dias após o crime.
03/05 - Imprensa divulga que câmeras no Estácio foi desligada na véspera das mortes de Marielle e Anderson.
07/05 - Reportagem da Record, afirma que Marielle foi morta por submetralhadora e não pistola, é de uso restrito das forças de segurança e pode ter sido desviada do arsenal da própria Polícia Civil.
08/05 - Delator, ex-miliciano, acusa Orlando Oliveira Araújo, conhecido como Orlando Curicica em ser mandante do crime ao lado do vereador Marcelo Siciliano do PHS. De acordo com a testemunha, a morte de Marielle foi decretada porque as ações de consciencialização que ela fazia em favelas contrariava interesses dos dois principais suspeitos. A milícia de Orlando controla sob o poder e o terror das armas várias favelas na zona oeste do Rio de Janeiro, nomeadamente na região de Curicica, e onde o vereador Marcello Siciliano também tem reduto eleitoral. Ambos negaram envolvimento em depoimento. Inclusive Curicica o fez em carta divulgada pela imprensa.
10/05 - Polícia Civil realiza reconstituição do caso. Conclusões não foram divulgadas.
14/05 - 60 dias sem respostas sobre os crimes. Justiça autoriza transferência de Curicica para presídio federal por questões de segurança, o que até hoje não aconteceu. Curicica está preso desde outubro por ter mandado matar um homem que instalou um circo em uma área dominada por ele, sem autorização. Segundo relatos da mídia, a circunstância do assassinato são parecidas com a que pôs fim a vida de Marielle.
11/06 - Comissão Externa que acompanha as investigações reuniram-se com Maria Laura Canineu, representante da ONG Internacional Human Rights Watch, para discutir os últimos desdobramentos do caso e as estratégias para pressionar por mais celeridade e empenho das instituições do Estado em chegar à conclusão deste atentado contra a democracia.
13/06 - Anistia Internacional exige atuação mais estratégica do Ministério Público depois de 90 dias sem solução do caso.
14/06 - Três meses do assassinato de Marielle e Anderson na mesma semana do aniversário de quatro meses da intervenção federal/militar no Rio de Janeiro.
Edição: Thales Gomes