O apoio à candidatura de Conceição vai muito além dos quesitos gênero e cor
A candidatura da escritora Conceição Evaristo para assumir a cadeira de número 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL), cujo patrono é Castro Alves, agitou o cenário literário brasileiro.
No dia 26 de abril a ABL realizou uma sessão solene em homenagem ao imortal Nelson Pereira dos Santos, cineasta falecido em 21 de abril, e anunciou a abertura da vaga.
Logo após o anúncio, coletivos negros e de mulheres iniciaram uma campanha virtual para mobilizar o nome de Conceição Evaristo em torno da vaga. Foram realizadas duas petições online (já encerradas) com o chamado #ConceiçãoEvaristoNaABL, as quais tiveram grande adesão e reuniram mais de 20 mil assinaturas.
Políticos, leitores, artistas, pesquisadores e influenciadores aderiam à campanha em suas redes sociais. Também foi realizado um “tuitaço” no último dia 7 e o próximo está agendado para o dia 20 de junho.
Embora a votação para os candidatos seja restrita aos membros da ABL, essa mobilização espontânea dos movimentos culturais e sociais reflete o anseio por uma representatividade social, étnica e de gênero na instituição.
No contexto atual, no qual mulheres, negros e demais grupos sociais buscam cada vez mais espaços de participação, a candidatura de Conceição Evaristo é uma resposta a essa demanda.
Fundada em 20 de julho de 1897 pelo escritor negro Marchado de Assis, a ABL é uma instituição cultural sediada no Rio de Janeiro, cujo objetivo é o cultivo da língua e da literatura nacionais. Compõe-se de 40 membros efetivos e perpétuos, e 20 sócios correspondentes estrangeiros.
Em 121 anos de existência a ABL, que em sua primeira formação trazia indivíduos fortemente ligados à luta abolicionista, ao longo do tempo foi se distanciando das demandas sociais, tornando-se um reduto fechado de escribas da “literatura universal”.
O resultado desse distanciamento se reflete na pouca identificação da população brasileira com a instituição, bem como, na pouca diversidade na composição de suas cadeiras, configurando-se em uma instituição branca e masculina. Ao longo da história, somente oito mulheres ocuparam as cadeiras, nenhuma negra.
Esse contexto histórico explica a grande mobilização para que, enfim, tenhamos uma mulher negra “rumo à imortalidade”, como descrito no lema da instituição.
Aos 71 anos de idade, Conceição Evaristo é, inegavelmente, um dos maiores nomes da literatura afro-brasileira, e preenche uma lacuna histórica de mulheres negras que conseguiram consolidar-se na carreira literária.
Nascida em uma favela de Belo Horizonte (MG), Conceição Evaristo trabalhou como empregada doméstica. Aos 25 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi aprovada no concurso para o magistério. Graduou-se em Letras na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-RIO) e doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Suas obras tratam de temáticas vivenciadas a partir do seu lugar de fala, de sua subjetividade enquanto uma mulher, negra, pobre e que mudou o curso da própria história através dos estudos e da literatura. Porém com sua escrita insubmissa, Conceição Evaristo mudou o curso da história de mulheres e homens negros que passaram a verem-se protagonistas dessas estórias. Embora aborde temáticas muita vezes doloridas, sua escrita traz narrativas respeitosas, belas e permeadas pelas escrevivências da autora.
Assim, a inclusão de Conceição Evaristo na ABL questiona a supremacia da literatura universal, que ainda é branca e masculina. Poderia então a sua literatura, negra e feminina, entrar no hall da literatura universal? Incontestavelmente, sim.
O apoio à candidatura de Conceição Evaristo vai muito além dos quesitos gênero e cor. Se o fosse, enquanto escritora e leitora, não poderia apoiar. Fala alto a qualidade técnica, uma carreira sólida, premiada e reconhecida internacionalmente, mas que não perdeu o compromisso, a simplicidade e a capacidade de dialogar com aqueles para quem escreve. Assim, a simplicidade e o refinamento literário são, a meu ver, as principais características de sua obra.
Ao final deste mês, encerra-se o prazo para que os candidatos apresentem sua carta de intenções à ABL. Após esses trâmites, a instituição marcará a data da votação.
Considerando o contexto acima, convido todos a engrossar o coro em torno na candidatura de Conceição Evaristo. Independente do resultado da votação, estendo o convite para que conheçam sua obra, pois Conceição Evaristo já é imortal no inconsciente coletivo da população afro-brasileira.
Edição: Simone Freire