Recentemente a greve dos caminhoneiros trouxe à tona novamente um fato que já vinha acontecendo em protesteos de rua, como a dos que se manifestaram contra o fim da corrupção, segurando cartazes e faixas pedindo a volta da intervenção militar. Isso acontece ao mesmo tempo que documentos de arquivos da Ditadura Militar são revelados com dados estarrecedores, inclusive sobre corrupção, enquanto o Brasil esteve sob este regime.
Foram 20 anos sob o comando dos militares, sem eleição presidencial, com prisões, torturas bárbaras e mortes. Os que se manifestam hoje a favor da Intervenção Militar, para especialistas e para quem viveu a época, são frutos da desinformação histórica. Há uma ilusão de que sob a conduta e intervenção dos militares, a gestão do país estaria em ordem. Porém, é neste período que acontecem os maiores casos de corrupção, como por exemplo, o da Transamazônica, uma obra bilionária inconclusa por parte dos militares. No fim terminou sem asfalto e com menos quilometragem previstas, custando aos cofres públicos US$1,5 bilhões de dólares.
Emerson Urizzi Cervi, professor de Ciências Políticas da UFPR, cita a questão geracional, como uma das causas para que o assunto volte. “Essa geração que está pedindo por intervenção militar, na casa dos 30 os 40 anos pode ter nascido sob o regime, mas não o viveu. Portanto não tem nenhum compromisso histórico e não se sente responsável pelas consequências desta época no país”.
Somente agora dados reais sobre o que aconteceu nesta época vêm sendo revelados. Cervi explica que o final do Golpe Militar foi negociado entre forças políticas que estavam saindo e as que estavam querendo entrar. “Não tivemos uma ditadura militar, tivemos uma ditadura civil militar, uma parceria de militares com uma elite econômica ascendente que queria acabar com o governo de João Goulart, que chamavam de comunista. Portanto, vamos ter nesse regime, grandes casos de corrupção. Mas, que nunca foram revelados, pois este era o acordo: não divulgar o que aconteceu. Assim, tivemos uma transição negociada da democracia e a ilusão de que não houve corrupção. O que não existia era transparência e fiscalização”.
Grandes obras e o crescimento das Empreiteiras
O Coordenador do Grupo Tortura Nunca Mais, Narciso Pires, lembra que empresas que vem sendo citadas em casos de corrupção agora, encontraram terreno fértil no Regime Militar: “As pessoas não fazem ideia do que foi a corrupção na ditadura militar, todas estas empresas, OAS, Odebrecht, Camargo Correa, estas grandes empreiteiras se tornaram grandes deste jeito no Regime Militar. Este modo operacional foi construído nessa época em que tivemos o maior número de obras faraônicas, como Itaipu, Ponte Rio Niterói, Angra dos Reis, com valores altíssimos de superfaturamento”. E continua: “A Odebrecht era antes da Ditadura Militar uma empresa que se limitava a pequenas obras. No Governo militar de Costa e Silva, passou de 19o. empresa para a 3a. com maior faturamento”. Narciso foi militante, preso e torturado na Ditadura Militar. Atualmente coordena o Grupo Tortura Nunca Mais, responsável em coletar dados e depoimentos de pessoas que foram presas, torturadas e exiladas na época.
Documentos ingleses revelam corrupção dos militares
Recentemente documentos históricos da Inglaterra revelaram que a ditadura brasileira se negou a fazer uma investigação de corrupção na compra de navios ingleses. O governo inglês, em 1978, comunicou ao governo brasileiro a descoberta de superfaturamento na compra de equipamentos e se ofereceu para devolver o dinheiro. O regime militar, segundo os documentos, abriu mão de receber o valor desviado dos seus cofres públicos e abafou o caso. A descoberta é fruto de pesquisas do historiador brasileiro João Roberto Martins Filho, da UFSCAR.
Enfraquecimento das instituições
Sob a Constituição, a Força Armada tem a função de defesa nacional, porém subordinada à figura de uma autoridade civil, no caso o Presidente da República. Cervi também relaciona o apelo a força militar com o enfraquecimento das instituições: “Nossas instituições pós Constituição de 88, que deveriam ser fortalecidas para serem instituições meio, transformaram-se em instituições que querem substituir a política. Que querem substituir a democracia. São instituições que não são eleitas, não tem controle social nenhum, são burocratas que se sentem no direito de desqualificar a política. De acabar com qualquer princípio democrático de cooperação e de negociação“.
Nos anos anteriores ao início à Ditadura Militar no Brasil, a então estudante de Pedagogia, Zélia Passos, vivia a efervescência cultural dos anos 60: participou de um grupo de teatro político que ia para as ruas de Curitiba, começou a se interessar pela Campanha de Alfabetização iniciada no Governo João Goulart e chegou a levar o Método Paulo Freire para dentro de comunidades carentes.
Conheceu na ações de luta o advogado e militante Edésio Passos, pai dos seus filhos. Em 68, com o AI5, Zélia e sua filha de 5 anos vão, na clandestinidade, para o Rio de Janeiro. Em 71, Edésio, em Curitiba, é preso e depois levado para o Rio de Janeiro, onde foi submetido a interrogatórios a base de tortura, especialmente em relação à Zélia, que fora presa em Curitiba, grávida do seu segundo filho. Ela foi detida em dezembro de 1971. Grávida e encarcerada chegou a ser hospitalizada e depois removida para uma sala no Hospital Militar de Curitiba, onde ficou por vários meses. Sobre o que viveu, disse em depoimento ao Grupo Tortura Nunca Mais, “que o ideal mais nobre de um ser humano pode viver é o da liberdade. Você não se sentir dona da sua vida e que outros vão decidindo seu destino, é muito ruim. Isso doía fisicamente", relata. “Só quem viveu a perda da liberdade sabe o quanto doloroso é”, finaliza.
Com informações com Grupo Tortura Nunca Mais.
Edição: Laís Melo