Quase quatro anos depois do desaparecimento de 43 estudantes em Ayotzinapa, no México, em setembro de 2014, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) criticou hoje (6) a investigação da Procuradoria-Geral da República mexicana sobre o caso. Segundo a comissão, houve "graves irregularidades", como omissão na investigação de agentes públicos, além da adoção, pelo Estado mexicano, de uma versão não "aprofundada" sobre desaparecimento dos jovens.
A conclusão é parte de um relatório apresentado nesta quarta-feira sobre o trabalho, o chamado Mecanismo Especial de Acompanhamento Assunto Ayotzinapa, um grupo criado pela CIDH há dois anos para acompanhar o andamento das investigações. "A Comissão conclui que persistem sérios desafios e obstáculos que devem ser superados para alcançar a verdade, a justiça e a reparação", diz o texto.
A CIDH observou qu,e nas investigações coordenadas pela Procuradoria do México, não há "uma linha de investigação que esteja apurando um suposto envolvimento do Exército, da Polícia Federal e da municipal, autoridades estaduais e funcionários do governo - por ação ou omissão no desaparecimento forçado dos jovens, ocorrido entre 26 e 27 de Setembro de 2014”.
Versão contestada
Segundo o documento, a tese do governo de que os estudantes haviam sido assassinados e incinerados não encerra o caso. Primeiro, porque não houve investigações a fundo para verificar envolvimento de agentes públicos, segundo, porque os argumentos usados pelo estado carecem de mais "profundidade".
O mecanismo de investigação da CIDH para o caso pediu que as autoridades mexicanas mudem a narrativa das investigações, para seguir novas linhas na apuração do caso.
A Corte Interamericana já havia ordenado a criação de uma comissão de investigação da verdade e da justiça, composta de representantes das vítimas, da Comissão Nacional de Direitos Humanos e do Ministério Público da Federação.
Parentes dos estudantes acusam o sistema judicial mexicano de direcionar as investigações para "ocultar" o possível envolvimento de agentes da Polícia Federal, do Exército e até mesmo nos níveis do Executivo. A CDIH considera a versão apresentada pela Procuradoria-Geral mexicana "pouco credível e mantida à custa de ignorar os fatos".
A CDIH enfatizou ainda que as investigações da PGR permanecem "fragmentadas" e que diferentes pesquisas não foram integradas para que se chegasse àa verdade sobre o caso. Além disso, há investigações incompletas sobre a polícia federal, o Exército e a polícia local. O relatório cobra ainda do governo mexicano adequada assistência às famílias das vítimas.
O caso
Na noite de 26 de setembro de 2014, estudantes de uma escola rural de Ayotzinapa deslocavam-se em um ônibus, da escola à cidade de Iguala, estado de Guerreiro, Sul do México. Eles haviam sequestrado o ônibus, uma prática comum entre os estudantes da zona rural mexicana e na escola, conhecida por sua ideologia de esquerda.
Os estudantes, em sua maioria, calouros, embarcaram no ônibus e participaram do "sequestro" para arrecadar fundos e tentar usar o veículo em um protesto que seria realizado na cidade do México, em outubro.
Segundo as investigações, o ônibus foi parado por policiais militares do munícipio de Iguala. Três estudantes foram assassinados após disparos da polícia contra o ônibus. O veículo foi então conduzido pela polícia, e os estudantes que estavam dentro do ônibus desapareceram.
A versão da Procuradoria é de que eles foram entregues pelos policiais municipais ao cartel do narcotráfico Guerreros Unidos, que os teria matado e incinerado os corpos. Esta versão foi rejeitada porque não há evidência de que um fogo intenso (para queima de 43 corpos) tenha sido usado na região apontada. Somente um corpo foi identificado, o de Alexander Mora, em um rio.
Segundo a versão oficial, o ex-prefeito de Iguala, José Luís Abarca, ordenou o ataque porque temia que os estudantes causassem distúrbios durante um discurso de sua esposa. Os estudantes teriam sido confundidos pelo cartel Guerreros Unidos com Los Rojos, uma facção rival do grupo.
As investigações mostraram que o ônibus sequestrado transportava heroína e não foi possível determinar se os estudantes sabiam da existência da droga, nem há investigações suficientes sobre a relação entre a polícia militar, que parou o ônibus e integrantes de carteis de drogas.
Edição: Nádia Franco/Agência Brasil