Aquele parecia ser mais um junho qualquer. Um mês comum para os brasileiros comuns. Tudo pronto para os tradicionais festejos de São João e o país, mesmo sem muito entusiasmo popular, aguardava o início da Copa das Confederações. O que ninguém previu foi que, naquele mês de 2013, as ruas seriam tomadas por multidões e se tornariam palco do maior ciclo de protestos da história do Brasil pós-redemocratização. Exatos cinco anos se passaram desde então e o Brasil ainda busca compreender o ocorrido. Sejamos claros: o objetivo deste não é explicar, mas pensar Junho de 2013.
Poucas vezes na história recente brasileira vimos um evento histórico suscitar análises e avaliações tão polarizadas. As chamadas Jornadas de Junho tornaram-se uma espécie de boneco de Judas, sobre o qual todos podem lançar suas paixões e frustrações. Os diagnósticos mais correntes se polarizam em duas leituras não contraditórias: as que buscam um sentido político imediato, qualificando as Jornadas de Junho como revolucionárias ou fascistas; e as que situam o governo PT ao cerne da análise, colocando-o em posição em embate com as manifestações. Ambos acabam por se mostrar análises vazias, que partem do nada rumo a lugar nenhum.
Para melhor pensarmos as Jornadas de Junho é necessário complexificar o debate. Em primeiro lugar, buscar compreender o ciclo de protestos não como uma convulsão social espontânea ou um evento premeditado, mas como um processo que não começou e nem se encerrou naquele mês. As entendemos como fruto de uma série de variáveis que envolvem um sentimento de indignação difusa, a proliferação de identidades, o desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação, e o surgimento de renovadas formas de organização que, até então, se constituíam de forma latente no tecido social.
Em segundo lugar, destacamos é que as Jornadas de Junho não podem ser categorizadas como um evento da direita ou da esquerda. A ausência de uma articulação central e de uma reivindicação unitária, entre outros motivos, fizeram com que grupos e indivíduos dos mais diferentes posicionamentos políticos fossem às ruas, muitas vezes compartilhando o mesmo espaço. As demandas apresentadas eram inúmeras e heterogêneas, assim como a composição social dos protestos, que foi muito mais diversa do que algumas análises apresentam. Por esses e outros motivos, será malsucedida qualquer tentativa de reduzir esse processo a uma categorização unitária e totalizante do seu sentido político.
Tentar compreender o processo de Junho de 2013 e seus desdobramentos é tarefa que envolve uma série de dificuldades: distintas motivações, atores antagônicos no espectro político-ideológico e pautas contraditórias. Dos vinte centavos ao descontentamento com o governo petista; da esquerda revolucionária à direita fascistoide; do clamor por um Estado mais forte e poroso à participação popular, ao “fora todos” e às reivindicações por reforma política. Passados cinco anos, já com certo distanciamento temporal e metodológico, podemos apontar a inclusão de novos repertórios de protesto, a reorganização ativista da direita, o aumento das manifestações em vias públicas – tanto por setores progressistas quanto conservadores –, e uma socialização política da juventude, além de crises institucionais notadamente atribuídas ao turbulento Junho. Todavia, há ainda uma densa neblina que não nos permite enxergar com total clareza os acontecimentos de Junho de 2013 em sua completude, observando-os para além das dicotomias políticas que lhes são inerentes.
*Rafael Rezende é doutorando em Sociologia no IESP/UERJ, Simone Gomes é professora de Sociologia da UFPel e Marcelo Borel é doutorando em Ciência Política no IESP/UERJ.
Edição: Vivian Virissimo