A falta de esperança e o sentimento de desânimo para conseguir um emprego têm afetado milhões de brasileiros e brasileiras. Maria de Lourdes da Silva é uma dessas pessoas. Com 55 anos, desempregada há quase quatro, ela tenta conseguir algum dinheiro por meio de trabalhos informais, os chamados "bicos".
"Desanima mesmo, porque você vai em um canto, vai em outro, nunca dá certo. 'Aguarda que eu vou chamar', você espera, nunca liga. Sinceramente, eu não tenho mais esperança nenhuma de arrumar um serviço", diz Maria de Lourdes.
Há mais de três décadas, Maria de Lourdes veio da Paraíba para trabalhar em São Paulo. De 1983 até 2014, ela viveu da costura, quando a fábrica onde trabalhava há 11 anos faliu sem pagar nada para ninguém. Hoje, a filha de 19 anos e o filho de 24 ajudam a pagar as contas de casa.
"Eu andei bastante atrás de serviço, mas quando a gente chega é muita gente desempregada, uma fila com um monte de gente para ser selecionada, eu acho que eles preferem as pessoas mais jovens", diz Maria de Lourdes.
William dos Santos Silva tem 23 anos e ficou desempregado por mais de três. Ele trabalhava na área de informática quando foi desligado da empresa em 2015. O jovem tentou voltar para o mercado, mas, sem formação acadêmica, não conseguiu nada, mesmo durante um ano de tentativas de entrevistas. Recentemente, William alugou um carro e tentou a sorte na Uber, mas só se manteve na empresa por dez meses.
"Eu meio que desisti da área, não voltei a estudar TI e fiquei mais um tempo parado fazendo 'bicos', como formatação de computador", diz Santos.
As histórias de pessoas que, vencidas pelo "não", desistem de procurar trabalho são recorrentes. Patrícia Lino Costa, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), enxerga que a existência dos chamados desalentados se deve a ausência do crescimento de ocupações. O desalento caracteriza as pessoas que desistiram de procurar emprego, por desestímulo ou outras circunstâncias, como a falta de dinheiro para a condução.
"Para você ter uma expectativa de conseguir um trabalho, a economia precisa crescer. O que acontece agora é que a economia brasileira vem patinando nos últimos tempos e o crescimento é muito baixo, ele é incapaz de absorver todas as pessoas que querem trabalhar", conta Patrícia.
Guilherme Mello, economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que o desalento é um quadro típico de uma política econômica que optou por fazer um ajuste no "lombo" do pobre e do trabalhador em benefício de grupos financeiros minoritários. Ele diz que o desmonte das políticas públicas sociais no atual governo do golpista Michel Temer mostra quem realmente sofre os impactos da recessão.
"Quem sofreu o golpe é o pobre, é o negro, é o pardo, é o nordestino e a mulher em particular. O jovem que não tem esperança, que acha que não vai ter nenhuma oportunidade, simplesmente desiste de procurar emprego e é facilmente cooptado pelo crime organizado", diz o professor Guilherme.
A renda dos empregados também vem caindo: os salários dos contratados são menores do que os dos demitidos. Para completar a renda, a estratégia de muitas famílias é tentar colocar outra pessoa no mercado de trabalho, muitas vezes os jovens ou os aposentados. A queda no consumo das famílias impacta diretamente na economia do país.
Patrícia diz que se trata de um "círculo vicioso", que deve piorar com a aprovação da reforma trabalhista em novembro do ano passado.
"A gente ainda vive um momento de crise política e isso não gera confiança para a economia. Fora isso, o trabalho está sendo extremamente desvalorizado nessa economia, que é comandada pelo capital especulativo. Então, a tendência de uma flexibilização ao máximo, e a reforma trabalhista é fruto disso, não garante que haja crescimento", diz a economista do Dieese.
Números
A categoria conhecida como desalento foi criada nos anos 1980, no surgimento da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), do Dieese e da Fundação Seade. O levantamento mensal considera as pessoas que não procuraram trabalho no último mês, mas pelo menos no último ano de pesquisa. A maior parcela dos dados de desalento é formada por mulheres.
A diferença em relação à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é que os desalentados, no caso do Instituto, são considerados inativos e não desempregados. Por não fazerem parte da População Economicamente Ativa (PEA), não entram nos cálculos de desemprego oficial, já que não realizaram busca ativa nos últimos 30 dias. Por isso, os números de desemprego do Dieese são historicamente maiores do que os divulgados pelo IBGE, que pela primeira vez inclui a categoria em seu levantamento.
A economista do Dieese faz uma ressalva, considerando os "bicos" e as ocupações precárias, muitas vezes a única saída para essas pessoas.
"Você pode até diminuir o desemprego aberto, mas o número de subutilizados tende a crescer, pela própria possibilidade que a reforma trabalhista abre de contratar pessoas por um período de tempo xis em trabalho intermitente ou parcial", analisa Patrícia.
No primeiro trimestre de 2016, antes do impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff (PT), a taxa de desalento era de 2,7% da força de trabalho, para os atuais 4,1%, segundo o IBGE. Dados levantados no primeiro trimestre deste ano mostram que 4,6 milhões de brasileiros e brasileiras vivem no desalento, a maioria jovens negros e pardos com, no máximo, ensino médio. O índice mais que triplicou em comparação com 2014. Na distribuição regional, o Nordeste é o estado com o maior número de desalentados do país.
A PED, realizada em três regiões (São Paulo, Distrito Federal e Salvador), mostrou que, na média anual de 2017, a região metropolitana de São Paulo tinha 78 mil pessoas no desalento. Na comparação com 2016, todos os resultados pioraram, mas o que mais cresceu foi o desemprego oculto pelo desalento: 16,4%, ou 11 mil a mais.
Edição: Juca Guimarães