O Brasil vive essa semana os reflexos da paralisação de caminhoneiros que tem impactado na distribuição de produtos em todas regiões do país. Há mais de 400 bloqueios em pelo menos 24 estados. Por causa do desabastecimento, o estoque de combustível está quase zerado nas bombas dos postos, o que fez com que milhares de motoristas do Distrito Federal, por exemplo, fizessem filas imensas nos dois últimos dias para encher o taque.
O corte na distribuição ameaça até mesmo a operação de aeroportos importantes do país, como Brasília e Recife, além de outras capitais, por causa da falta de querosene de avião. Supermercados e centrais de abastecimento informam que já está faltando produtos perecíveis, como frutas e legumes. Distribuição de carnes, leites pelos frigoríficos, bem como produtos alimentícios diversos, pode estar comprometida nos próximos dias. No Rio, o abastecimento de água também está ameaçado pela não entrega de produtos químicos utilizados no tratamento de esgoto e resíduos.
A motivação para tudo isso? A alta dos combustíveis ao longo do último ano e especialmente no último mês. No caso dos caminhões, que utilizam óleo diesel, o preço do produto nas refinarias (último estágio antes de chegar ao postos) aumentou mais de 56% em 10 meses. O valor final da gasolina para os consumidores sofreu reajuste, nos últimos meses, de quase 11%, o que é 30 vezes maior do que a inflação.
Razões do aumento
Em entrevista ao Brasil de Fato, o analista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Cloviomar Caranine, explica que o aumento dos preços dos combustíveis não se deu pelo reajuste de impostos, mas em decorrência da mudança na política de preços da Petrobras. Após a deposição da presidente Dilma Rousseff, em 2016, a nova diretoria da estatal, indicada por Michel Temer, modificou a política de preços da companhia para atrelar o preço dos derivados de petróleo à variação cambial do dólar e do valor do barril de petróleo no mercado internacional. "Toda vez que o preço sobe lá fora, acompanhando o preço do barril de petróleo, sobe aqui também", explica.
A política anterior também levava em consideração a variação do dólar e do barril de petróleo, mas os preços não eram atrelados. Por decisão de governo, e sendo a Petrobras a principal empresa na produção e refino do petróleo, a direção da companhia fazia reajustes apenas escalonados e o preço variava também levando em consideração o mercado interno e a inflação, justamente para evitar grandes oscilações que pudessem impactar no abastecimento doméstico, como ocorre agora. A medida, no entanto, era duramente criticada pela grande mídia e pelo mercado financeiro, já que a Petrobras tem ações na Bolsa de Valores e os detentores dessas ações ganham enormes lucros com a alta dos combustíveis.
O Brasil produz cerca de 3 milhões de barris de petróleo por dia, a Petrobras, que ainda detém a maior parte das refinarias, consegue refinar cerca de 2,4 milhões de barris por dia e o consumo nacional é de cerca de 2,7 milhões de barris. "[O país] consegue produzir, refinar e consumir praticamente a mesma quantidade de petróleo. A gente não depende de importação de petróleo ou derivados. Não dependia, pelo menos. A partir de agora, não importa mais quanto o Brasil produz ou refina, porque o preço é determinado pelo preço internacional [por decisão do governo Temer]", acrescenta Clovimar. Apesar disso, a Petrobras tem reduzido cada vez mais o refino no país e vendido o petróleo cru para ser refinado fora do Brasil e depois importar o produto a preço de dólar do mercado internacional.
Para ele, o governo Temer entrou numa armadilha, pois, se não intervir na Petrobras para reduzir o preço do combustível, o valor vai aumentar ainda mais. Se atuar para que a estatal reduza os preços, como o governo vem tentando, será acusado pelo mercado financeiro de "intervir" na empresa. Se zerar as alíquotas dos impostos PIS/Cofins e Cide dos combustíveis, como pedem os caminhoneiros, a expectativa é que o valor do litro de gasolina e óleo diesel caia cerca 60 centavos. No patamar que os preços estão, acima dos R$ 4,80 o litro da gasolina, em vários estados, a redução não é suficiente para baratear o preço do produto.
Privatizar não é solução
A opinião de setores da sociedade de que privatizar seria a solução é contestada por Clovimar Caranine, do Dieese. Ele explica que, historicamente, foi sempre a Petrobras que construiu refinarias no país, e não as petroleiras estrangeiras. "Vender as refinarias [como a Petrobras já vem fazendo] pode aumentar ainda mais a dependência dessa paridade internacional de preços", esclarece. Para se ter uma ideia, o Brasil importou ano passado R$ 1,5 bilhão de dólares de gasolina, um crescimento de 93% comparado a 2016. A gasolina, de acordo com a Federação Única dos Petroleiros, já representa 20% das exportações dos Estados Unidos para o Brasil. A Petrobras já reduziu em pelo menos 30% o refino no país no último ano. Ou seja, o Brasil vende o petróleo cru, mas importa de fora os derivados (gasolina, diesel, gás), aprofundando ainda mais a sua dependência econômica.
*Com informações da Rádio Brasil de Fato e da Agência Brasil.
Edição: Juca Guimarães