Há um ano, numa manhã chuvosa de quarta-feira, dez trabalhadores rurais foram brutalmente assassinados no município de Pau d’Arco, no sudeste do estado, durante operação das polícias militar e civil com a justificativa de cumprimento de mandados judiciais. A ação ocorreu na Fazenda Santa Lúcia, que havia sido novamente ocupada por trabalhadores rurais sem-terra no dia anterior.
Entre os mortos, estava Jane Júlia de Almeida, liderança do acampamento e única mulher assassinada naquele dia. Foram quatro anos de luta resistindo ao processo judicial de despejo e exigindo que a área fosse destinada para a reforma agrária.
No mês de abril, a Justiça ouviu os acusados pelo massacre. Os depoimentos aconteceram no fórum de Retenção, cidade vizinha de Pau d'Arco. Os peritos que investigaram a cena do crime serão ouvidos pelo juiz, para que seja definido se haverá ou não um tribunal do júri.
O massacre
Segundo o relato de um dos trabalhadores sobreviventes, que foi o primeiro a acordar naquele dia, tudo começou com o barulho incomum de carros se aproximando do acampamento. Ele estranhou e decidiu acordar o restante dos trabalhadores. Dois sem-terra foram verificar do que se tratava.
“Eles voltaram correndo, dizendo que era muita polícia, foi a hora que começamos a correr. Corremos bastante no meio do mato. Paramos em baixo de uma árvore, quando escutamos eles chegarem no acampamento chutando vasilhas, quebrando tudo”, comentou o sobrevivente que terá a sua identidade preservada nesta reportagem.
Por outro lado, os policiais que participaram do massacre contaram à Justiça que foram recebidos a bala e reagiram.
Para José Batista, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT), essa tese não se sustenta. Ele acompanhou os peritos no local do crime e ouviu os sete sobreviventes em depoimento ao Ministério Público Federal, no mês seguinte ao massacre. “Ocorre que as pessoas não foram sequer avisadas que teria um mandado, não teve nem tempo para isso, apenas a elas foi reservado dez sentenças de mortes”, declara.
As testemunhas relataram que a liderança Jane Júlia de Almeida sugeriu ao grupo ficar no local. Ela acreditava que os policiais não iriam procurá-los no meio da chuva, mas estava enganada. “Em menos de dez minutos que a gente estava debaixo da lona esperando a chuva passar e a polícia chegou já gritando: não corre não que vai todo mundo morrer, e já atirando ao mesmo tempo, gritando e atirando”, conta um dos sobreviventes.
Relato forte
A segunda vítima sobrevivente ouvida pelo Brasil de Fato diz que estava escondida em uma moita, de onde viveu os momentos de sofrimento e desespero junto com Jane Almeida. “Eu saí correndo e ela ficou sentada, eu não sei se eles mataram ela sentada, só lembro que eles falavam: levanta para morrer velha safada, velha vagabunda, cachorra. Xingavam de vários nomes e ao mesmo tempo sorriam e atiravam”.
Os corpos dos dez trabalhadores foram levados para Redenção, a cidade vizinha, amontoados na carroceria de caminhonetes e ficaram no hospital até a meia-noite daquele dia.
Segundo o agente da CPT, Igor Machado, as famílias, que aguardavam na funerária a liberação do IML, viram os corpos chegarem amontoados na caminhonete, envolvidos em lonas pretas. A cena causou revolta e indignação. “Isso foi terrível, a própria desumanização, foi muito indigno a forma como chegou, então uma segunda camada de violência foi adicionada, já foram mortos em um contexto de massacre e os corpos chegam nessa situação. Então isso foi muito chocante.”
O sudeste do Pará foi cenário também do Massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, quando 21 trabalhadores rurais foram mortos.
Edição: Juca Guimarães