Preocupadas com a possível exposição de moradores a metais pesados, entidades de Barra Longa denunciam que a Fundação Renova estaria construindo e reformando casas em terrenos afetados pela lama da Barragem de Fundão, que rompeu em novembro de 2015. A fundação, criada para reparar os danos causados aos atingidos pelo crime ambiental da Samarco, também teria plantado leguminosas e hortas em áreas que foram cobertas pela lama.
As denúncias são da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), organização que acompanha e presta assessoria técnica aos atingidos, e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). “Na zona rural de Mariana e Barra Longa, a Renova tem construído e reformado casas no mesmo lugar por onde a lama passou ou muito próximo de onde a lama passou. Também tem um fato muito sério: todos os atingidos têm que ser informados sobre o risco de permanecer perto da lama, com estudos independentes da Renova, da Vale, da BHP Billinton, e ter assessoria pra decidirem se querem continuar ali por onde a lama passou ou não”, afirma Letícia Oliveira, militante do MAB.
Hortas na lama
A plantação de leguminosas pela Renova, em áreas atingidas pela lama, é outra preocupação das duas entidades. Aedas e MAB dizem que justificativa da fundação é a recuperação do solo, mas sem alertar a população para os riscos. “Em alguns casos eles [Renova] fizeram hortas nas áreas sem substituição de solo, em cima do rejeito, direto, sem o consenso ou a instrução para os moradores sobre o risco da ingestão dos alimentos ali produzidos, como também dos animais que poderiam estar sendo contaminados e adoecendo devido à presença do rejeito ali. Sobre técnicas utilizadas de adubação verde, a gente sabe que é uma prática que aparentemente só faz uma maquiagem, que é dar aquela cobertura verde para aquele solo que antes estava empobrecido pelo rejeito”.
O agroecólogo e mobilizador da Aedas, Felipe Dantas, diz que o ideal para recuperar o solo seria o cultivo de plantas fitorremediadoras, que absorvem metais pesados do solo, como a mamona, a taboa e o bambu. Ele explica que, além dos rejeitos, parte das terras pode ter recebido agrotóxicos que estavam armazenados nos paióis dos agricultores e outros elementos químicos ainda desconhecidos. Dantas defende estudos mais aprofundados em toda a região afetada.
Rio envenenado
O Procurador da República em Minas Gerais, Helder Magno, também cobra estudos mais completos na Bacia do Rio Doce. “Tenho relato de pescadores sobre peixes que são abertos e estão podres por dentro ou que estão com deformações. Estas questões todas impactam. Se você entra nesta água, se você bebe desta água, se você come deste peixe, se você respira este ar, se você come uma couve que é aguada com uma água desta, eu acho que a gente precisa ter isto bem claro. E a gente precisa também cobrar da Renova, das empresas, dos órgãos públicos uma comunicação efetiva”, disse o procurador em assembléia, em 16 de abril, na Câmara Municipal de Barra Longa.
A preocupação do MPF, do MAB e da Aedas é que os moradores estejam expostos a substâncias tóxicas, hipótese que surgiu após a divulgação de um estudo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). A pesquisa revela as presenças de metais em amostras de solo e de água – o que a tornaria imprópria para consumo. “Ainda é uma pesquisa muito restrita a alguns metais, no caso cromo, zinco e ferro. Mas de todas as amostras que foram coletadas em Barra Longa a concentração de metais pesados estava fora do que a legislação permite”, informa Hellen Guimarães, pesquisadora que participou dos estudos coordenados pela professora Dulce Pereira.
A médica Evangelina Vormittag, uma das responsáveis pelas pesquisas do Instituto Saúde e Sustentabilidade, que identificou em pelo menos 11 moradores de Barra Longa a contaminação por níquel, arsênio, além da queda nos níveis de zinco, explica que o contato por longa permanência com estes metais pode causar diversas doenças e até câncer. “Estas pessoas, no momento da coleta tinham contato com o metal. Porque o metal, a meia vida dele, o tempo que ele fica na circulação sanguínea, às vezes é de horas ou alguns dias. Então isto quer dizer que aquelas pessoas estavam expostas naquele momento ao contato com o metal”.
Desde o desastre, dezenas de moradores relatam sintomas semelhantes, mas seguem sem atendimento especializado.
Vida comprometida
Odete Cassiano tem 60 anos e diz que, após o rompimento da barragem, sintomas como irritações nos olhos, secreções no nariz, diarreia, dores abdominais e coceiras, manchas e caroços na pele passaram a fazer parte da rotina da casa. Ela mora com os pais, de 90 e 92 anos, na beira do Rio Gualaxo do Norte, onde parte da lama escoou. Mesmo já tendo reivindicado reassentamento, Odete e a família continuam morando no mesmo lugar, e podem estar expostos a elementos tóxicos. “Desde os meus 19 anos que eu sou atingida pela Samarco. Quando eu morava lá na roça, todas as vezes que eles passaram, passaram de uma ponta na outra do nosso terreno. Era poeira, barro, máquina trabalhando o dia inteiro, e eu com criança pequena, com minha sogra na cama, doente de derrame. Aquele poeirão…às vezes eles tinham que trabalhar dia e noite pra dar vazão no serviço, que tava um pouco atrasado, era aquilo dia e noite na cabeça da gente”.
Com o rompimento da barragem, a lama invadiu o quintal de Odete e destruiu parte da casa. Ela conta que perdeu parte dos movimentos da mão esquerda, depois de cair em uma vala que a Samarco abriu em seu quintal. “No meu quintal, a lama subiu 1,73 m. E eu perdi tudo que tinha lá. Eles retiraram a lama, mas não tem como retirar tudo. Ficou tempos, até quando a lama foi retirada de lá já estava seca, então aquele caldo da lama entranhou todo lá na propriedade. Inclusive nasceu pé de mostarda e coisas que a gente come, melancia, que a gente jogava [sementes] pela janela lá. Já foi feito exame na mostarda e na melancia e estão super contaminadas”, relata.
Novos estudos
A Renova não se manifestou diretamente sobre as denúncias de plantação de leguminosas, construção e reforma de casas em áreas afetadas pela lama, nem sobre a falta de alertas para a população.
A fundação questiona a relação dos resultados dos estudos do Instituto Saúde e Sustentabilidade com o rompimento da barragem de Fundão e diz que “entende que é seu compromisso aprofundar na questão por meio de novos estudos”. Segundo a fundação está em processo de contratação uma análise para “identificar fatores de contato da população com compostos químicos decorrentes da barragem de Fundão e estabelecer as implicações para a saúde humana”.
Entidades como o MPF-MG, a Aedas e o MAB cobram a realização de novos estudos independentes, que sejam custeados, mas não coordenados pela Renova. “Os atingidos não confiam nos estudos realizados pela Fundação Renova. E isto eles já deixaram bem claro em diversas ocasiões. A pauta dos atingidos é que os estudos sejam realizados de forma independente da Renova”, afirma Aline Pachecho, psicóloga da Aedas.
Estas pesquisas servirão para verificar as possíveis fontes de contaminação no ambiente e para averiguar a situação de saúde dos moradores da cidade. “Um estudo que consiga averiguar qual é a origem [da contaminação] e aí a gente consiga fazer o tratamento das pessoas, no sentido de ou prevenir contato, ou descontaminação desta fonte. Não é simplesmente fazer o diagnóstico, mas promover uma assistência a elas também”, pondera a médica da Aedas, Nathalia Neiva.
Segundo a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), os procedimentos para a realização de estudos epidemiológicos, toxicológicos e de avaliação de risco à saúde humana estão em andamento e terão início pelos municípios de Barra Longa e Mariana “considerando o risco de exposição”.
O processo de avaliação das propostas apresentadas por instituições de pesquisa para a realização dos estudos, segundo a secretaria, será por meio de chamamento público, compartilhado com a Comissão de Atingidos e a Aedas.
Edição: Cecília Figueiredo