Sair de casa para comprar pão, levar os filhos na escola e trabalhar se tornou uma tarefa nada fácil para os cerca de 70 mil moradores de uma das maiores favelas da América Latina. Desde setembro de 2017, a Rocinha vive um clima de tensão que começou com uma guerra entre duas facções e se mantém durante a intervenção federal militar que foi instalada no estado do Rio de Janeiro.
Na última segunda-feira (14), o conflito entre policiais e criminosos fez mais duas vítimas, uma delas fatal. Francisco Nunes de França, de 75 anos, era ciclista e comerciante local. De acordo com informações dos moradores, França tentou se proteger atrás de um muro durante uma troca de tiros que ocorreu na localidade conhecida como Valão, quando foi atingido e morreu.
Maria Luiza de Lima tem 22 anos e trabalha com arte urbana pela cidade do Rio. A jovem mora na Rocinha desde a pré-adolescência e relata que a situação da comunidade nunca esteve tão violenta. Segundo ela, não há paz, a preocupação é constante mesmo estando dentro de casa. A moradora conta que na semana passada, durante um confronto que matou um policial militar e deixou 3 feridos, ela foi impossibilitada de voltar para casa.
“Eu estava saindo de casa no início da noite, quando no meio dos becos começou o tiroteio e eu comecei a correr. Liguei para casa e minha irmã falou para eu não voltar, porque estava tenso com tiroteio. Nesse dia eu fiquei impedida de vir para casa, porque estava sem luz e havia os boatos de guerra, que poderia ocorrer outro confronto. Evitei ir para casa e fiquei na praia com o pessoal que trabalha com arte na rua e dormi na casa de um amigo. Só retornei no dia seguinte quando estava claro”, conta a moradora.
A rotina de pavor enfrentada por quem mora na Rocinha e não sabe mais o que fazer para driblar a violência, tem deixado muitas pessoas com sérios transtornos psicológicos, síndrome do pânico e depressão. As pessoas que têm uma condição mais favorável estão saindo da comunidade, porém, a grande maioria não tem outra alternativa, a não ser contar com a sorte.
A moradora que prefere ser chamada apenas por Shirley, vive na comunidade há 5 anos. Ela conta que é muito difícil não poder andar pela favela, sair de casa e não saber se será possível voltar. Ela destaca que a intervenção federal militar não tem contribuído para melhorar a situação, pelo contrário.
“Na Rocinha, nós não queremos ser apenas número estatístico, queremos ações efetivas dentro da favela. A Rocinha quer intervenção em educação, saúde, cultura e em políticas públicas para que a gente possa viver melhor, queremos apenas o direito de ter paz”, afirma.
A Comissão Popular da Verdade, que foi lançada no mês de abril e tem como objetivo acompanhar de perto as violações aos direitos humanos cometidas durante a intervenção federal militar no Rio de Janeiro, também está registrando os casos da favela da Rocinha. O grupo está tentando agendar um encontro com o interventor, o general Walter Souza Braga Netto, para relatar sobre a situação da favela que tem se agravado nos últimos 8 meses e encontrar soluções para melhorar a vida dos moradores.
Edição: Vivian Virissimo