O direito à moradia é assegurado no artigo sexto da Constituição Federal do Brasil, assim como o direito à saúde, educação e trabalho. Contudo, apesar de constar na Carta Magna, morar ainda é um artigo de luxo no país do latifúndio urbano e rural que está entre as nações com maior déficit habitacional no mundo.
No Rio de Janeiro, segundo levantamento realizado pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos em 2016, cerca de 15 mil pessoas não tinham onde morar. A solução encontrada por parte desta população acaba sendo ocupar imóveis abandonados na cidade com o intuito de exigir o cumprimento da função social da propriedade.
Na capital fluminense, a Ocupação Manoel Congo, coordenada pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), é um exemplo de como por meio da organização e da pressão popular sobre o poder público foi possível devolver a dignidade para as 42 famílias que hoje possuem um lugar para morar.
A ocupação do prédio vazio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no centro do Rio, foi requalificada para habitação de interesse social após um longo processo de diálogo com o Estado. Lurdinha Lopes, integrante da coordenação nacional do MNLM, conta que o maior desafio hoje para a ocupação é a sustentabilidade.
“A gente está executando os últimos 3% da obra. Estamos na reta final. Para a gente, o grande desafio colocado é a sustentabilidade das 42 famílias. Temos um espaço que deixamos vazio para construir uma geração de trabalho e renda, com gestão coletiva do trabalho, para que um percentual desse recurso vá para abaixar a taxa de condomínio, porque uma forma de expulsar as pessoas do centro da cidade é o custo de vida”, explica.
A ideia dos moradores é abrir um restaurante e uma casa de samba no prédio para evitar que alguma família tenha que sair do espaço por não poder arcar com a manutenção do condomínio. Atualmente, os custos de contribuição estão em torno de R$ 130 pelo fato da obra ainda estar em curso. As pessoas já estão alojadas nos apartamentos, o critério utilizado pelos integrantes do movimento foi que as famílias com mais integrantes fiquem nos apartamentos maiores.
A experiência bem sucedida da Ocupação Manoel Congo foi capaz de transpor barreiras políticas e sociais que estão enraizadas na sociedade brasileira. Vitor Guimarães, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) no estado, destaca que a especulação imobiliária é um dos principais empecilhos para reduzir a desigualdade social.
“Garantia à moradia é o início para assegurar circulação na cidade, novos empregos e possibilidades para as pessoas se emanciparem. Portanto, não permitir que todas as pessoas tenham moradia digna e adequada é fazer com que a cidade se mantenha desigual”, destaca Guimarães.
A tensão social envolvendo a questão da moradia ficou mais acirrada no município do Rio durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Dados do relatório Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro, desenvolvido pelo Comitê Popular da Copa e Olímpiadas de 2015, revelou que mais de 22 mil pessoas foram removidas de suas casas por conta dos megaeventos esportivos.
Daniel Sousa é arquiteto e urbanista do Núcleo de Terras e Habitação (Nuth) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Segundo ele, o município possui dois tipos de assentamento: as ocupações de edificações e as favelas. Sousa destaca que poucas ocupações são ligadas à movimentos populares e que a maioria encontra-se em situação precária.
“A gente não tem política pública de melhoria desses edifícios, temos vivido uma situação de muita precariedade nessas ocupações. A gente atua principalmente em processo de despejo e existem diversas situações em que conseguimos fazer contra-laudos a laudos da própria Defesa Civil que dizem que os prédios estão para cair. Existem alguns instrumentos no Estatuto da Cidade que poderiam reverter a situação desses edifícios, porque muitos estão com dividas de IPTU, muitos eram até do governo federal e estadual”, afirma o arquiteto.
O latifúndio sendo a regra e a moradia a exceção só mostra a necessidade de que mais exemplos como da Ocupação Manoel Congo surjam pelos becos e esquinas do país para questionar o modelo de cidade implementado até agora no Brasil.
Edição: Vivian Virissimo