Na última semana, as mais de 700 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) conseguiram garantir a permanência do acampamento "Marielle, vive!" em uma fazenda improdutiva localizada na Estrada dos Jequitibás, no município de Valinhos, região metropolitana de Campinas, em São Paulo. A continuidade do acampamento, que está sendo construído há cerca de um mês, foi possível após a Justiça derrubar uma liminar que determinava a reintegração de posse do terreno ao proprietário.
A decisão favorável ao acampamento, emitida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), evidencia que a empresa Eldorado Empreendimentos Imobiliários não conseguiu comprovar a utilização da área nos últimos anos, ou seja, a posse do terreno. Na avaliação da coordenação do MST, a decisão é considerada uma grande vitória porque através dela é destacada a necessidade do proprietário cumprir a função social da terra.
“A gente entrou com um agravo na justiça porque essa fazenda é claramente improdutiva. Todos que andam aqui e que são da cidade de Valinhos sabem que há anos esta fazenda está parada, a serviço da especulação imobiliária. Eles dizem que aqui tinha criação de gado, mas não conseguiram comprovar”, explica Tassi Barreto, da coordenação estadual do MST.
Depois da suspensão do despejo, o acampamento não para de crescer. Na avaliação de Tassi Barreto, as famílias estão se sentindo mais seguras para continuar construindo o acampamento e chamarem seus conhecidos para fazerem o mesmo.
“Temos uma estrutura construída pelas nossas próprias mãos. A gente tem a cozinha coletiva funcionando bem, temos a nossa guarda, além do setor saúde. A gente tem também o setor de educação que já avançou na matrícula das crianças e dos jovens nas escolas. Ainda estamos preparando um projeto de um EJA (Educação de Jovens e Adultos) aqui dentro do acampamento”, acrescenta.
As famílias que constroem o acampamento “Marielle, Vive!” são, principalmente, das cidades de Limeira, Valinhos, Americana, Sumaré, Hortolândia e da periferia de Campinas. Elas reivindicam que as terras da fazenda ocupada, chamada de El Dourado sejam destinadas à reforma agrária para que possam construir suas moradias e produzir alimentos saudáveis com técnicas da agroecologia.
“Aqui está representada a classe trabalhadora tão difundida, tão almejada pela Marielle. Aqui temos as companheiras que protagonizam essa luta e companheiros e companheiras que vivem a precarização do trabalho e tem o sonho de uma sociedade livre, fraterna, igualitária e democrática”, acrescenta Zelitro da Silva, da coordenação nacional do MST.
Muitas Marielles
O nome do acampamento foi escolhido em memória à vereadora Marielle Franco (Psol). Além da homenagem, o acampamento foi batizado com o nome da vereadora por sua imagem representar grande parte das mulheres que fazem parte do movimento. Marielle era negra, mãe e moradora de favela. O acampamento “Marielle, Vive!” é formado por centenas de Marielles.
Maria Ilma Oliveira, de 54 anos, é uma delas. Mineira, divorciada e mãe de quatro filhos, ela mora há cinco anos na periferia de Sumaré, região metropolitana de Campinas. Maria Ilma, que já foi manicure, depiladora, faxineira, hoje está desempregada. Ela se mudou com tudo o que tem para o acampamento “Marielle, Vive!” para conseguir seu pedaço de chão para morar e produzir seus alimentos.
“Só desse acampamento estar levando o nome da Marielle já é causa ganha. A Marielle ajudava os pobres, os mais fracos, lutava pelas mulheres negras. Era uma pessoa muito boa. A forma como ela morreu foi muito brutal. Ela nos representa. É como se ela estivesse viva entre nós”, afirma.
A auxiliar de limpeza Isabel da Silveira, de 54 anos, também se identifica com a história de Marielle. Ela, que foi moradora da cidade de Osasco (SP) a vida toda, se mudou com o companheiro Juarez para Campinas, depois de conseguirem comprar a casa própria. No entanto, após ficarem desempregados, em 2017, perderam a casa por não terminarem de pagar as prestações.
“Então viemos para cá. Estamos sentindo como um paraíso, apesar das dificuldades. Nós já plantamos quiabo, pimenta, abóbora, já está até brotando. Daqui a pouco vamos estar comendo o que plantamos. Não demora muito”, explica animada.
A cozinheira alagoana Marlene Figueredo, de 66 anos, também acredita que a vitória do acampamento é a única saída para ela e seu filho, Cícero Aparecido. Ao lado dele, ela tem planos de plantar seus alimentos e criar as galinhas e os dois porcos que já ganhou.
“Se Deus quiser, aqui vai se chamar Vila Marielle, porque ela era guerreira, ela lutava, morreu lutando. Marielle nos deu espaço porque ela lutava pelos pobres e os negros. Nós somos pobres, humildes, não queremos briga, não queremos nada, só queremos um pedacinho de chão para a gente plantar. Viva Marielle!”, conclui.
Edição: Vivian Virissimo