Desde o último sábado (14), exatamente um mês após o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (Psol), cerca de 700 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) estão construindo a ocupação “Marielle Vive” em uma fazenda localizada na Estrada dos Jequitibás, no município de Valinhos, na região metropolitana de Campinas, em São Paulo. Cercada por condomínios residenciais de luxo, a ocupação trava luta contra forte especulação imobiliária na região.
As famílias que constroem a ocupação “Marielle Vive” são, principalmente, das cidades de Limeira, Piracicaba, Americana, Sumaré, Hortolândia e da periferia de Campinas. Elas reivindicam que as terras da fazenda ocupada, chamada de São João das Pedras, sejam destinadas à reforma agrária para que possam construir suas moradias e produzir alimentos saudáveis com técnicas da agroecologia.
A fazenda está localizada em uma área que já teve laudo emitido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) favorável a sua destinação à reforma agrária, há cerca de 10 anos, quando foi ocupada pela primeira vez pelo MST. No entanto, até hoje continua sendo considerada improdutiva.
“Essa região está exatamente no raio de expansão da especulação imobiliária. Eles estão avançando sobre áreas rurais, montando condomínios e privatizando as estradas e a natureza. Isso se choca diretamente com os nossos objetivos, a gente quer que essas terras se transformem em área produtiva, ao invés de virar condomínio fechado para meia dúzia de pessoas”, explica Márcio Santos, da coordenação estadual do MST.
A fazenda São João das Pedras tem aproximadamente mil hectares de extensão. Ela pertence a duas grandes empresas do ramo imobiliário, Antônio Andrade e Madia Empreendimentos Imobiliários, que pretendem construir no local um dos maiores condomínios residenciais da região, de acordo com informações apuradas pelo MST.
“Essa é uma luta que está sendo travada contra grandes empresas do mercado imobiliário. Não é uma luta fácil. Vale lembrar que o poder judiciário e os governos locais fazem alianças e ajudam a burlar todas as regras que impediriam a construção de projetos imobiliários como esse que querem fazer aqui”, acrescenta Selma Santos, também da coordenação estadual do MST.
Marielle Vive
O nome da ocupação foi escolhido em memória à Marielle Franco. O crime que tirou sua vida e do motorista Anderson Gomes continua sem respostas mesmo após um mês de investigações. Além da homenagem, a ocupação foi batizada com o nome da vereadora por sua imagem representar grande parte das mulheres que fazem parte do movimento, como avalia Selma.
“Temos aqui no acampamento representadas a mulher negra, a mulher trabalhadora, a mulher lésbica, todas as categorias que a Marielle transformou em uma trincheira de luta. Então, pela sua coragem, pela sua resistência, pela sua ousadia de lutar contra as opressões e preconceitos aos pobres e negros, estamos fazendo essa homenagem. Sentimos em cada uma de nós uma nova Marielle”, afirma.
Selma destaca ainda que a ocupação também relembra a impunidade do Massacre de Eldorado dos Carajás, que aconteceu em 1996 no Pará, quando 21 sem terra foram assassinados pela Polícia Militar. Além disso, integra os protestos pela democracia e a liberdade do ex-presidente Lula.
Apoio
Ainda que tenha pouco tempo de existência, a ocupação “Marielle Vive” conta com uma extensa rede de apoio. Em um ato político realizado na ocupação no último domingo (15), diversas lideranças de movimentos sociais, parlamentares e outros apoiadores estiveram presentes prestando solidariedade às famílias e fazendo doações de alimentos, roupas, brinquedos e água.
Entre as organizações, estiveram representantes do Partido dos Trabalhadores (PT), do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), do Partido Comunista Brasileiro (PCB), do Partido da Causa Operária (PCO), do Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Também lideranças da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do Levante Popular da Juventude, do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Pastoral Operária, das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e do Fórum de Direitos Humanos.
Durante o ato, as manifestações de apoio vieram não só de membros das organizações, mas também de moradores da região. Para o médico Marco Fabino, prestar solidariedade às famílias da ocupação “Marielle Vive” é obrigação de qualquer um que tenha compromisso com os interesses dos mais pobres.
“É um marco na região de Campinas esse momento, essa organização e esse posicionamento da classe trabalhadora, do MST e dos partidos e dos movimentos populares. É uma luta importante, todo mundo está precisando se unir a ela”, afirma.
Já Maria do Carmo Pereira, mais conhecida como Carmen, liderança da luta por moradia na periferia de Campinas, acredita que a solidariedade é essencial para que as famílias consigam resistir.
“O povo não entende que eles querem só um pedacinho de chão para plantar, eles não são baderneiros, não são pessoas erradas, são pessoas que precisam de um pedaço de chão. Todos têm família, filhos, precisam de espaço para viver e morar. Sem moradia ninguém vive”, conclui.
Edição: Vivian Virissimo