Governo revela rompimento com base social que o elegeu
Um colega me perguntou: mas a categoria sabe que os problemas financeiros em Minas Gerais foram originados pelo Temer, né? A pergunta veio na primeira semana de greve.
Fizemos um acordo de longo prazo, focando naquilo que era essencial. Não fizemos a lógica do "tudo ou nada". Medimos a conjuntura que vivíamos, a nossa realidade e como começar a transformá-la. E começamos. Isso depois de longos 12 anos de Choque de Gestão em que, nós, da educação, pagamos a conta. Convivemos com programas que eram para peças publicitárias do governo sem eficácia como política pública. Suportamos a completa ausência de diálogo e de negociações, sobrevivemos à criminalização e à judicialização constantes das nossas lutas. Mantivemo-nos vivos, apesar de sermos de um estado que tem políticos que mandam "matar antes de delatar". Sabemos toda a realidade anterior, ela está gravada como cicatrizes em nossos corpos.
Neste momento os argumentos valem pouco, porque a escuta perde lugar. Mas vou insistir no argumento. Estamos numa greve por direitos. Assim como lutamos nacionalmente por "nenhum direito a menos", seria uma grande contradição aceitarmos "direitos a menos", em nome de um sacrifício que não é pedido a todos. A crise não é igual para todos os servidores públicos mineiros. Diferenciação que jamais imaginávamos viver no atual governo. A segurança pública foi tratada de modo a receber antes que professores, a ter o 13º antes que o conjunto do funcionalismo, a receber o salário antes. O que revela um rompimento do governo com uma base social importante que o elegeu.
Em 2011, o governo Anastasia anunciou 100% de reajuste para a segurança pública, no mesmo ano que realizamos 112 dias de greve. A lei com o reajuste foi aprovada. E quem pagou a maior parte desse reajuste foi o atual governo. Como explicar que o reajuste dado pelo PSDB foi integralmente cumprido enquanto o da educação não está sendo?
Num momento de extrema polarização nacional, em que sindicatos, centrais sindicais e movimentos populares assumem, cada vez mais, um papel importante na articulação de resistências, como explicar a tática do governo mineiro de derrotar ideologicamente a greve e enfraquecer a organização sindical?
Os áudios e vídeos do Secretário de Educação parecem corteses, mas, a prática que vivemos nas escolas é a da coerção, assédio moral, espancamento de profissionais em greve pela Polícia Militar, substituição de servidores em greve, desqualificação da luta por vários cargos comissionados do governo. O próprio governador desqualifica, sem rodeios, o sindicato e a greve em recente entrevista ao Blog 247. Tentam transformar a nossa luta num plebiscito: quem apoia o governo e está satisfeito não faz greve, "os traidores, ingratos e oportunistas" fazem greve. De "guerreiros" em 2014, fomos transformados em "ingratos".
Na entrevista, em nenhum momento o governo do estado fez a luta contra a Proposta de Emenda à Constituição 241, a PEC do congelamento dos investimentos públicos; ou atribuiu à ela a responsabilidade por não cumprir o acordo com a educação; ou responsabilizou o governo ilegítimo do Temer questionando-o sobre recursos para o Piso Salarial como prevê a lei federal. Ao contrário, atribuiu o problema financeiro do estado à Previdência dos Servidores Públicos. Perdeu uma grande oportunidade do enfrentamento à política nacional por meio de uma pauta concreta.
Foi o próprio sindicato que sugeriu uma articulação entre os poderes para acharmos a segurança jurídica que o governo afirmava não ter neste momento para cumprir o acordo com a educação. Sugerimos o envolvimento do Ministério Público, Assembleia Legislativa e Tribunal de Contas. Lamentavelmente o governo preferiu fazer da situação motivo para legitimar o não cumprimento do acordo.
Mas não estamos falando apenas de cumprimento de acordo! Estamos falando de uma lei estadual que o governo descumpre! Fazemos uma greve para que o Estado cumpra uma lei por ele mesmo sancionada em 2015. Os caminhos desta luta definirão muitas questões. A derrota ideológica que o governo tenta impor à categoria, se bem sucedido, terá contornos maiores, que ninguém quer debater neste momento de polarização. Ter um governo democrático popular, que não se incomoda em não cumprir o investimento mínimo de 25% dos impostos em educação, conforme conquista da sociedade brasileira na Constituição Federal, é algo que deveria ser inaceitável. Para nós é inaceitável. Por isso também lutamos.
Respondendo ao meu colega mencionado no início deste artigo: a categoria tem a exata noção de tudo o que o governo ilegítimo Temer está fazendo e suas consequências para o país e para a educação. Fomos o primeiro sindicato em Minas Gerais a convocar paralisações e mobilizações em defesa da democracia e contra o golpe. Estávamos nas ruas quando muitos ainda não tinham acordado para o que estava acontecendo.
Fazemos a luta de classes necessária. Participamos paralisando escolas em todo o estado na maior greve geral do dia 28 de abril de 2017. Marchamos em Brasília com dezenas de ônibus no dia 24 de maio do ano passado. Mas o rompimento do acordo com a educação, o não investimento do recurso recebido vinculado constitucionalmente para a educação; assim como as balas de borracha, gás lacrimogêneo e violência policial, que sofremos no último dia 28 de março, são de responsabilidade do governo de Minas Gerais. Ele é quem precisa resolver. Tentar derrotar uma categoria não é o caminho, 2011 já ensinou isso.
*Beatriz Cerqueira é professora e coordenadora-geral do Sind-UTE/MG.
Edição: Larissa Costa