"Fausto: Primeiro irei interrogá-lo sobre o inferno.
Diga-me, onde é o lugar que os homens chamam de inferno?
Mefistófeles: Debaixo do firmamento.
Fausto: Está bem, mas onde?
Mefistófeles: Nas entranhas desses elementos, onde somos torturados e ficamos para sempre: o inferno não tem limites, não se localiza num só lugar; porque o inferno é onde estamos, e onde for o inferno, lá estaremos para sempre..."
Johann Wolfgang von Goethe
Em 1966, contexto de boom da literatura latino-americana, surge o livro “O lugar sem limites" de José Donoso. Pode se dizer que Donoso estava à frente do seu tempo, - sem ignorar o movimento LGBT e feminista, que já estava na segunda onda - a narrativa se constrói através da história de Manuela, mulher trans que administra um prostíbulo com sua filha Japonesita que a chama de “pai”.
Patriarcado, LGBTfobia, coronelismo e o latifúndio vivem cotidianamente com os habitantes do vilarejo de El Olivo, inferno que Manuela intrinsecamente fez morada por saber que todo lugar seria inferno. A tristeza travestida de condição, o medo que goteja a cada rodopio e rodada que a musa, rainha, bicha-louca, velha, pai, mãe, o ser que todos amam e odeiam por ser quem é, dá. Manuela.
Esse disco do Século XX soa arranhado, o Brasil matou ao menos 868 travestis e transexuais nos últimos oito anos, 268 mortos foram contabilizados no México. A morte dos LGBTs na América Latina balança conforme a melodia do patriarcado. No Brasil, menos de 1% dos proprietários agrícolas possui 45% da área rural. José Donoso faz denúncia, a agulha dessa vitrola precisa ser trocada.
*Louise Xavier é militante do Levante Popular da Juventude
Edição: Monyse Ravenna