Após o segundo assassinato em três meses, lideranças comunitárias de Barcarena, no nordeste do Pará, temem que as perseguições na região se ampliem. “É como se nós fossemos a caça e eles, os caçadores”, alertou Bosco Oliveira Martins Júnior, da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama).
Na madrugada desta segunda-feira (12), Paulo Sérgio Almeida Nascimento, um dos diretores da associação, foi morto a tiros aos 47 anos. Este é o segundo assassinato envolvendo membros da Cainquiama. Em 22 dezembro de 2017, Fernando Pereira também foi executado.
Bosco relata que tem sido vítima de perseguições e atentados desde 2014. De acordo com ele, as ameaças atuais estão ligadas às denúncias que a Cainquiama tem feito contra a mineradora norueguesa Hydro Alunorte.
Há pouco mais de um ano, em fevereiro de 2017, as lideranças comunitárias entraram com ação na justiça contra a empresa por crimes ambientais. “Já sofríamos ameaças, mas elas aumentaram cem vezes depois que denunciamos a Hydro Alunorte”, acusou.
A presidenta da Cainquiama, Maria do Socorro, também relaciona os assassinatos com a atuação da associação contra a mineradora. Ela afirma que as ameaças tiveram início após o ajuizamento da ação.
"Se o governo é depositário de nossas vidas, por que estão morrendo as pessoas que estão lutando? Já é o segundo da Cainquiama. Hoje mataram mais um nosso. Será que amanhã serei eu porque eu falo?", questionou a liderança.
Bosco e Maria do Socorro tiveram que deixar a comunidade de Burajuba, em Barcarena, após um ataque à sede da Cainquiama em dezembro de 2017.
Pedido de proteção
Em janeiro deste ano, o advogado Ismael Moraes entrou com o pedido de proteção de integrantes da associação.
Além da invasão à sede, o pedido de proteção se baseou na disseminação de uma mensagem no aplicativo WhatsApp com a foto de Bosco Martins. O texto pedia o paradeiro da liderança sob recompensa no valor de R$ 40 mil.
O requerimento, mediado pelo promotor de Justiça Militar Armando Brasil Teixeira, foi negado pelo então secretário de Estado de Segurança Pública e Defesa Social, Jeannot Jansen.
Diante desta situação, Moraes questionou a postura das autoridades estaduais e pede que a investigação seja remetida às instâncias federais. "Eu já encaminhei para Procuradoria da República o pedido de federalização da investigação, assim como a federalização da garantia de vida para os diretores da Cainquiama porque não há possibilidade de confiar nas autoridades estaduais", disse Moraes.
De acordo com o advogado, "todos os procedimentos das autoridades do estado do Pará estão no sentido de acobertar os delitos da Hydro e de manter as irregularidades".
O deputado estadual Carlos Bordalo (PT) pondera que ainda há poucos elementos para relacionar o assassinato de Paulo Sérgio ao caso da Hydro Alunorte em Barcarena. O parlamentar é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa).
"De fato, há uma lacuna do estado pelo fato desta liderança ter solicitado proteção. Neste aspecto, podemos dizer que o estado do Pará falhou gravemente ao não se preocupar em levar em conta a denúncia e o risco que esta liderança estava passando. Mas, por enquanto, não posso afirmar que os fatos estão completamente relacionados”, pontuou o deputado.
Outro lado
A assessoria de imprensa da mineradora afirmou que o "trágico assassinato é um assunto para a polícia". Em nota, a Hydro Alunorte "condena firmemente qualquer ação dessa natureza e repudia qualquer tipo de associação entre suas atividades e ações contra moradores e comunidades de Barcarena".
Procurada pelo Brasil de Fato, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (SEGUP) afirmou que comunicou o promotor de Justiça Militar, Armando Brasil, que a proteção de pessoas ameaçadas deve ser feita pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH).
Segundo a pasta, a SEJUDH não havia recebido nenhum encaminhamento do caso até a tarde desta segunda-feira.
A SEGUP informou ainda que policiais civis da Delegacia de Vila dos Cabanos e a Divisão de Homicídios de Belém investigam o assassinato de Paulo Sérgio. "Neste momento, não é possível fechar uma linha de investigação, o que só ocorrerá a partir dos próximos depoimentos coletados", afirmou em nota.
Entenda a situação
O conflito entre comunidades do município de Barcarena e da empresa Hydro Alunorte, que atua há quase quatro décadas na região, se acirrou no ano passado.
No dia 17 de fevereiro, uma das bacias de rejeitos da empresa Hydro Alunorte transbordou, contaminando o meio ambiente e colocando em risco a saúde de comunidades rurais em Barcarena.
Resultados das análises de metais feitas pelo Instituto de Pesquisa Evandro Chagas (IEC) revelaram a contaminação das águas de igarapés e rios em comunidades rurais causado pelo vazamento de rejeitos da bacia da empresa mineradora.
Em fevereiro deste ano, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Estado do Pará e a Defensoria Pública recomendaram o embargo imediato de uma das bacias da Hydro Alunorte. A decisão foi tomada após os órgãos concluírem que a bacia, conhecida como DRS02, não possuía licença ambiental de operação.
Nesta segunda-feira (12), a situação de Barcarena foi tema de audiência pública na Alepa para avaliar os impactos do polo industrial na região. Como encaminhamento, será instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso até final desta semana. "Ficou evidenciado que temos um desafio de caráter estadual, fundamentalmente, sobre o modelo de licenciamento da exploração mineral", informou o deputado Carlos Bordalo.
Histórico de violência
Pará, Rondônia e Maranhão concentram 90% dos assassinatos de defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil. A informação é do dossiê Vidas em Lutas: criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil, lançado em julho de 2017 pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH).
Além dos assassinatos, o levantamento aponta casos de espionagens, ameaças, desqualificação moral e prisões arbitrárias cometidos por empresas, agentes de segurança privada e pelo Estado contra ativistas e lideranças de movimentos sociais do campo e da cidade.
Em novembro de 2017, o Brasil de Fato visitou o estado do Pará para entender os conflitos de terra na região, dando origem à reportagem especial Violência no Pará: a parte que te cabe neste latifúndio.
* Com colaboração de Lilian Campelo
Edição: Thalles Gomes