A recusa do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em relação ao pedido de habeas corpus preventivo apresentado pelo ex-presidente Lula na última terça (6) aumentou ainda mais a pressão para que o Supremo Tribunal Federal (STF) reveja o entendimento sobre a legalidade da prisão de réus condenados em segunda instância.
Diante da insegurança jurídica que a polêmica tem causado, o advogado Rodrigo Mesquita, da Frente Brasil de Juristas pela Democracia (FBJD), considera "indispensável" um retorno ao tema por parte do STF. "O próprio fato de isso estar sendo tão debatido, e de os próprios ministros se manifestarem publicamente sobre a necessidade disso, mostra que pautar essa questão, independentemente de quem seja a pessoa diretamente interessada, é algo urgente", pondera.
O texto da Constituição Federal de 1988 determina, expressamente, que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou seja, até que sejam esgotados todos os recursos e instrumentos de defesa do acusado. No entanto, em 2016, o pleno do STF consolidou entendimento de que a prisão após uma condenação em segunda instância não seria ilegal.
O assunto toca diretamente um dos processos judiciais envolvendo o ex-presidente Lula que, em janeiro deste ano, foi condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre. Ele responde a uma ação penal por suposta prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato. O ex-presidente nega as acusações.
Contra a decisão do TRF4, a defesa de Lula apresentou embargos declaratórios, um tipo de recurso proposto quando há omissão, contradição ou obscuridade na sentença. Os embargos devem ser julgados pelo TRF4 até o final de março.
Controvérsia
O tema da prisão após segunda instância é um dos mais controversos dentro do sistema de Justiça e tem tido destaque na opinião pública desde 2016. Em geral, juristas que seguem a linha mais punitivista defendem o último entendimento consolidado pelo STF, sob o argumento de que uma condenação vinda de duas diferentes instâncias não fere o princípio da inocência.
Do outro lado do debate, estão especialistas e atores da sociedade civil organizada de caráter mais progressista, que defendem uma revisão imediata do assunto por parte do STF. Para Rodrigo Mesquita, da FBJD, o Supremo precisaria modificar o entendimento para garantir os valores democráticos.
"É uma garantia histórica. É uma conquista civilizatória para que o processo penal não seja uma inquisição, para que a palavra de um magistrado seja submetida a uma jurisdição superior e que as jurisdições superiores se esgotem. Isso não existe à toa. Existe para frear a arbitrariedade do poder punitivo estatal", afirma o advogado.
Ministros
Apesar do entendimento do STF de 2016, o tema não está pacificado entre os ministros. Na época, o placar favorável à prisão terminou em seis votos contra cinco. De lá pra cá, houve mudança não só na composição do plenário como na opinião de alguns magistrados.
O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, havia votado a favor da prisão após segunda instância, mas atualmente tem manifestado entendimento contrário. Além disso, alguns outros membros da Corte têm dado ganhos de causa nesse sentido, contrariando o entendimento do pleno. Com a aceleração de processos judiciais envolvendo réus da Lava Jato, o debate esquentou ainda mais.
Na última terça-feira (6), o ministro Dias Toffoli suspendeu a tramitação de dois pedidos de habeas corpus enquanto não houver decisão sobre o tema por parte do plenário do STF. A atitude aumentou a pressão para que a presidenta do Supremo, Cármen Lúcia, paute novamente o assunto.
No entanto, em manifestação recente, a ministra afirmou que considera "casuísmo" um retorno ao tema neste momento. A magistrada votou favoravelmente à prisão após condenação em segunda instância nas duas ocasiões em que o Supremo debateu o tema, em 2009 e 2016.
Rodrigo Mesquita acredita que, no caso de um novo debate, as divergências em torno do assunto fariam a Corte caminhar para um entendimento que poderia ser um meio-termo, revendo apenas parcialmente a decisão de 2016. Na avaliação dele, o plenário tende a decidir pela autorização da prisão após uma condenação por parte do STJ, e não por tribunais federais, como o TRF4.
"Claro que nunca haverá uma verdade absoluta, mas uma revisão do tema é urgente", finaliza Mesquita.
Edição: Thalles Gomes