Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa durante os governos Lula e Dilma, defende o caráter estratégico da Embraer diante da perspectiva de repasse de seu controle acionário à corporação estadunidense Boeing.
Para ele, a iniciativa ventilada pelo governo federal desperta preocupação por ferir a soberania e vulnerabilizar a defesa aérea do país.
Confira a seguir alguns trechos da entrevista.
Brasil de Fato: Como o senhor vê a possibilidade da venda ou fusão da Embraer para a Boeing, sob o ponto de vista estratégico?
Celso Amorim: O último livro que escrevi se chama A grande estratégia do Brasil. E por que eu chamo de a grande estratégia do Brasil? Porque mistura política externa com política de defesa, de certa maneira. E, olhando as coisas pelo ângulo da grande estratégia do Brasil, seja em política externa, seja em política de defesa, esta questão da venda da Embraer é um desastre absoluto.
Defensores da proposta argumentam que, após a fusão da francesa Airbus com a canadense Bombardier, a Embraer perderia poder de competitividade. Como o senhor avalia?
Uma coisa é a visão empresarial. Eu sei que há tempos alguns dirigentes da Embraer já estavam pensando numa associação com a Boeing. Não nesses termos de aquisição, mas em alguns termos de associação.
Mas o que acontece é o seguinte: a Embraer é estratégica por várias razões. Ela participa e deveria continuar participando [da construção] dos nossos aviões militares. Então é estratégica do ponto de vista tecnológico ou do ponto de vista da defesa, porque vão ser produzidas aeronaves que são essenciais para a proteção do nosso espaço aéreo. Por isso o governo [anterior] conservou o que chamam de Golden Share, ou seja, uma ação com poder de veto, e eu acho que isso tem que ser usado para impedir essa fusão.
Qual o posicionamento dos militares brasileiros diante desta iniciativa?
Infelizmente eu não tenho falado com ninguém da Aeronáutica, não tenho tido oportunidade para fazer isso. Eu acredito que eles devam estar muito preocupados. Pelo menos os verdadeiros patriotas, que são obviamente a maioria, e aqueles que estiveram envolvidos no desenvolvimento tecnológico [da empresa].
Quando houve a decisão da presidenta Dilma de que nós faríamos a associação com a empresa sueca [Saab], o comandante da Aeronáutica, meu amigo, pessoa por quem tenho grande estima, o Brigadeiro Saito, fez uma festa, uma festa verdadeira. Vieram brigadeiros da reserva, porque aquilo era uma coisa extraordinária. E por que nós fizemos a opção pelos Gripen? Por causa da forte transferência de tecnologia, a abertura da tecnologia para que nós mesmos pudéssemos fazer inovações, algo que se chama, nessa área, de código-fonte.
Agora, veja só: a Saab vai transferir suas tecnologias para o Brasil, vai abrir o código-fonte do sistema de armas, vai fazer isso se a Embraer estiver associada a uma empresa norte-americana ou de qualquer outro país? Não, não vai fazer.
A decisão de realizar esse acordo poderia ser tomada exclusivamente pelo Executivo?
Nós tivemos que discutir muito com o Congresso Nacional, inclusive as cláusulas de financiamento. Nós tivemos sempre grande transparência com as comissões de Defesa e Relações Internacionais do Senado e da Câmara.
Muitos nacionalistas, não só do PT, mas de outros partidos, deveriam buscar um relato detalhado, explorar questões como as que eu mencionei, ouvir pessoas da Aeronáutica que são muito mais técnicas do que eu sobre o assunto.
Como ficaria a soberania do país com a perda da Embraer?
A soberania é o que tem menos prioridade em todas as políticas que estão sendo levadas adiante. O Brasil está sendo tocado como se fosse uma empresa. Questões fundamentais, que dizem respeito à capacidade de ação autônoma do país, de proteção dos seus interesses, não são levados em conta. Estamos vendo isso na indústria naval, onde não há nenhum interesse em manter as compras da Petrobras que foram absolutamente fundamentais para o desenvolvimento, afetando muito o meu estado, onde eu vivo, que é o Rio de Janeiro. Não há nenhuma preocupação sobre isso em relação à Eletrobras.
Quer dizer, o Brasil vai virar uma espécie de parque temático. No parque temático você pode ir na roda gigante, pode ir no trem fantasma… Aqui você vai olhar e dizer: isso aqui é da China, isso é da Rússia, isso é dos Estados Unidos, isso é dos europeus, ou seja, muito triste. Soberania não está no radar das pessoas que estão dirigindo o país de maneira prioritária.
Edição: Thalles Gomes