Recebo muita coisa pelo meu Whatsapp. Muitos textos, muitas notícias e muita informação boa e ruim. Como todo mundo. Um dos textos que eu recebi hoje me chamou a atenção pelo conteúdo e pelo autor. O apresentador da TV Globo, Tiago Leifert, escreveu na revista CG que “evento esportivo não é lugar de manifestação política”. Na opinião do jornalista, “quando política e esporte se misturam dá ruim. Vou poupá-los dos detalhes, mas basta olhar nossos últimos grandes eventos para entender que essas duas substâncias não devem ser consumidas ao mesmo tempo. O que me leva à minha primeira grande preocupação de 2018: é ano eleitoral. (…) Tem muita coisa contaminada por aí. Precisamos imunizar o pouco espaço que ainda temos de diversão. Textão é no Facebook. Deixem o esporte em paz.”
Antes de mais nada, é preciso dizer que Tiago Leifert apenas mostra o desagrado com manifestações políticas em eventos esportivos. Opinião que respeito, mas discordo totalmente. Por essa lógica, Sócrates, Casagrande, Biro-Biro e todos os membros da histórica Democracia Corintiana jamais teriam usado os gramados para pedir a volta das eleições diretas no início dos anos 1980. Seguindo esse pensamento, nunca teríamos visto Tommie Smith e John Carlos erguerem os punhos na saudação típica dos Panteras Negras na cerimônia de premiação dos 200 metros rasos nos Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México, para denunciar o racismo nos Estados Unidos. E por falar em racismo, eu e você jamais teríamos visto Daniel Alves pegar uma banana atirada por um torcedor e comer ao vivo para todo o mundo. E isso sem falar nos heróis desconhecidos, que usam o esporte para protestar contra a injustiça e a desigualdade em todo o mundo. Todos sem fazer textão, mas com atitudes que renderiam livros sensacionais com a história de cada um deles.
As palavras de Tiago Leifert estão perfeitamente alinhadas com quem comanda o esporte hoje em dia: a televisão. Para ela (e também para a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional), o esporte deve ser um palco apenas de diversão, apenas para espairecer depois de um dia duro de trabalho. Essa lógica transforma todo e qualquer evento esportivo em linha de show e reduz os atletas a meros animadores prontos para alegrar o dia de quem pagou (caro) pelo ingresso.
O esporte sempre fez pensar e sempre rompeu barreiras. A presença de Formiga em seis edições dos Jogos Olímpicos e lutando para que o futebol feminino conquiste espaço não é um ato político? E a campanha contra assédio sexual também não é? Os protestos contra a corrupção, racismo, machismo, homofobia e por melhores condições para se praticar esporte não se encaixam nessa linha?
Quem defende a lógica da FIFA, do COI e do próprio Tiago Leifert defende que nossos atletas se transformem em simples fantoches sem personalidade, proibidos de pensar e de emitir opiniões. Se levarmos o papo para a música popular brasileira, seria o mesmo que um Tim Maia se transformasse num Roberto Carlos. Não falo de qualidade musical, mas da postura de cada um diante dos problemas da sociedade. E o esporte sempre refletiu isso ao longo das últimas décadas. Como esquecer dos heróis do Vasco da Gama que peitaram o racismo institucional no início da década de 1920 e deixaram a já extinta Associação Metropolitana de Esportes Athleticos? Isso não vem de hoje. E também não é hoje que ela vai acabar. Não enquanto tivermos atletas preocupados com os problemas sociais.
O esporte sempre foi palco de manifestações políticas. E sempre foram bem-vindas. Mas a lógica da “linha de show” está tentando acabar com isso para agradar a quem sempre ganhou rios de dinheiro com a exploração alheia.
Mais manifestações que tá pouco, pessoal. Muito pouco.
Edição: Vivian Virissimo