Análise

Aldo Fornazieri: Fux, Huck, FHC e os homens sem honra

FHC tem a miragem de um Macron tupiniquim. Parece não notar que Huck não é nenhum Macron e que a França não é o Brasil

Jornal GGN |
O apresentador e o sociólogo voltaram a compor uma dupla de bailarinos para dançar em público a macabra dança do escárnio político.
O apresentador e o sociólogo voltaram a compor uma dupla de bailarinos para dançar em público a macabra dança do escárnio político. - Reprodução

O ministro Luiz Fux é um ficha suja. Não por determinações judiciais, mas o é de fato. A ficha suja de Fux (liminar na Ação Ordinária 1.773), a concessão de benefícios imorais ilegais e inaceitáveis aos juízes na forma inescrupulosa do auxilio moradia importa a saída de cerca de um bilhão de reais por ano dos cofres públicos. Sendo uma forma de salário indireto, uma forma de sonegação fiscal, os juízes deixam de pagar cerca de R$ 360 milhões por ano em imposto de renda por conta da ficha suja de Fux. Tudo somado, são vários bilhões desde 2014. É um assalto. 

É bom lembrar: metade dos brasileiros - 100 milhões - vive com a renda de até um salário mínimo mensal. O valor do auxilio moradia dos juízes é de R$ 4.377, enquanto 90% dos brasileiros ganham até R$ 3.300 por mês. Esse auxilio, junto com outros penduricalhos, além de uma conduta inescrupulosa, constitui um crime contra toda a sociedade brasileira. Como ficam os sem teto diante disso? E os que perdem boa parte da renda pagando aluguel?

Se o Brasil tivesse Justiça, Fux deveria ser processado, condenado e preso pelo imenso prejuízo que está causando aos cofres públicos. É espantoso que os deputados da oposição não tenham proposto uma CPI para investigar o auxilio moradia e os outros penduricalhos dos juízes e das demais esferas do poder onde esses privilégios criminosos vicejam. Cada um precisa viver do seu salário, de forma honesta, andar com o seu carro, comprar roupa com o seu dinheiro, como os demais brasileiros vivem. Esses privilégios inescrupulosos clamam por uma revolução democrática para que os guilhotinem.

Alçado à condição de presidente do TSE, Fux, no alto da sua vaidade, da sua prepotência, quer fazer da sua vontade a lei, tal como a fizeram Moro e os três desembargadores do TRF-4 que condenaram Lula sem provas. Ao arrepio dos mecanismos legais, quer declarar Lula inelegível, rasgando as leis e a Constituição, como vêm fazendo vários ministros do STF e o próprio Tribunal enquanto instituição. Assim, a anarquia judicial vai se agravando no país, pois, o Judiciário parcial, partidário e corrupto se desmoralizou e desmoralizou as leis e a Constituição.

Huck e FHC e a arte do engano

O apresentador e o sociólogo voltaram a compor uma dupla de bailarinos para dançar em público a macabra dança do escárnio político. Huck é aclamado pelos analistas liberais porque rezaria pela cartilha do mercado. Mas é um liberal sem liberalismo, como o são os juízes moralistas sem moral. Huck pegou R$ 17,7 milhões do BNDES, com juros subsidiados pelo contribuinte, para comprar um jato particular. O paladino da nova política é também um invasor de espaço público na orla, perto de sua mansão. Na verdade, pouco se sabe sobre Huck: quanto ganha? Como é sua vida? É bom pai? Bom  marido? Sonega impostos? E por aí vai.

FHC e Huck carregam o estandarte da nova política. Se é verdade que a velha política faliu, também é verdade que a nova política não se constituiu. No mais das vezes, é um embrulho de fórmulas vazias, de democracia tecnológica, que nada tem de real porque não tem povo, não tem as misérias do povo, não tem as tragédias do povo, não tem a desigualdade do povo, não tem o sofrimento do povo não tem a dor da periferia, não tem a dor dos pobres, não tem a dor do Nordeste, não tem a dor dos negros, não tem a dor das mulheres e não tem a dor das minorias. No mais das vezes, a nova política é uma empulhação, uma coisa de velhacos, um fru fru das classe médias bem viventes. Veja-se, por exemplo, que o RenovaBR patrocinado por Huck e outros faróis da nova política, não tem nenhuma linha acerca do combate à pobreza e à desigualdade de renda e riqueza - principal problema do Brasil. Como Tocqueville nos ensinou, não há democracia sem igualdade e  a igualdade é a substância da liberdade. E esse pessoal vem falar de democracia...

FHC, que tem um apartamento em Paris, tem a miragem de um Macron tupiniquim. Parece não notar que Huck não é nenhum Macron e que a França não é o Brasil. O PIB per capita dos franceses é quase cinco vezes maior do que o PIB per capita dos brasileiros. O Brasil está mergulhado nas tragédias da violência, da fome, da pobreza, da desigualdade, da falta de educação e de saúde, na falta de moradia, de pesquisa, de tecnologia e de cultura. Não será com um caldeirão de engomadinhos e de ricaços que enfrentará esses dramáticos problemas.  Todos sabem que se Huck vier a ser candidato e vencer, o Brasil mergulhará numa nova crise: ou governará refém de um Congresso fisiológico ou sofrerá um impeachment, pois ele não tem força política e partidária organizada. Trata-se de uma aventura.

Homens sem honra

Honra, no sentido genérico, diz respeito à conduta virtuosa, corajosa e proba que permite um elevado conceito junto à sociedade para aqueles que a têm. Max Weber, em Política como Vocação, fala em "honra do servidor público", vinculando-a à vocação e ao princípio da integridade que este deve ter, sem as quais "estaríamos ameaçados por uma corrupção avassaladora e não escaparíamos ao domínio dos filisteus". Pois bem: essa honra, Fux, Moro, Bredas, Dallagnol, os três desembargadores do TRF-4 não a têm. São os filisteus a que se refere Weber. O Brasil, país de povo pobre, está dominado por filisteus de terno e toga, que corrompem a essência da moralidade pública, pois esta teria que ter como bastião principal, como cidadela inexpugnável, o Judiciário. Mas este mostra-se apodrecido é carcomido pelos vermes que vampirizam o sangue dos brasileiros.

Luciano Huck terá que decidir se se deixará mover pelo olfato aventureiro dos oportunistas ao querer ser presidente sem nunca ter sido político, aproveitando-se das desesperanças das pessoas, ou se se recolherá para uma meditação circunspecta, sem os arroubos da arrogância e da pretensão ao comparar-se ao Ulisses da Odisseia. Se for pelo segundo caminho até poderá começar uma carreira política honesta, pleiteando, em momento oportuno, a candidatura a altos cargos. Se fizer a primeira opção, estará buscando o poder pelo seu brilho, tomado pela vaidade, pois comandar o Brasil trágico é bem diverso do que comandar um caldeirão televisivo. Se for assim, será um homem sem honra no sentido weberiano, pois não terá senso de responsabilidade.

Senso de responsabilidade, que é o senso ético da política e o senso de honra principal do homem político, do homem público, Fernando Henrique o perdeu. Fundador e presidente de honra do PSDB, trai, sem pudor, não só a Alckmin, mas ao próprio partido. Se tivesse a honra weberiana deveria dizer o seguinte: "vim até aqui com o partido, mas não posso mais seguir com ele, não acredito mais nele e parto para outra experiência". Esta seria uma postura honrada, eticamente aceitável.

Ao enveredar pelas sendas da traição, FHC desmoraliza ainda mais a política e os partidos, debilitando esses dois seres já debilitados. Neste momento de crise e de extravio do Brasil são necessários movimentos aglutinadores de forças para construir alternativas confiáveis e sólidas. Não é a hora da aventura, do salve-se quem puder, da dispersão irresponsável, do oportunismo que espreita o poder sem propósitos. Como ex-presidente e no alto da sua experiência, FHC deveria ser o conselheiro prudente da nação. Mas depois que deu o tenebroso passo contra a democracia apoiando o golpe, perdeu o senso da ética da responsabilidade, traindo o partido e querendo jogar o país nos descaminhos da aventura.

*Aldo Fornazieri é Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP)

Edição: Jornal GGN