O primeiro bloco de carnaval com todos os integrantes negros no Brasil surgiu no Curuzu, bairro de Salvador, na Bahia, em 1974. O Ilê Aiyê nasce de uma postura combativa de negros soteropolitanos que não se conformaram com a falta de espaço no carnaval baiano.
Em sua passagem por São Paulo, nos dias 2 e 3 de fevereiro, entre shows lotados, o Ilê Aiyê participou de uma cerimônia de batismo na qual fez o apadrinhamento simbólico do bloco afirmativo paulistano Ilú Inã, que também é totalmente composto por integrantes negros.
Val, que é neta da matriarca do Ilê Aiyê, mãe Hilda Jitolú, fala da importância do bloco paulistano: "É massa saber que a gente está aqui hoje, que o povo de São Paulo gosta do Ilê, mas é massa saber que vamos voltar para Salvador e que vai ter Ilú Inã e outros blocos representando a nossa matriz africana aqui", celebra Val que também é neta da matriarca do Ilê Aiyê, mãe Hilda Jitolú.
São muitas semelhanças entre as raízes do Ilê Aiyê e do Ilú Inã. Ambos têm sua origem em famílias pretas que se consolidaram em torno do Candomblé, com figuras femininas muito presentes e fortes, como é o caso da Ialorixá Hilda Jitolú, mãe de Antônio Carlos dos Santos Vovô, Presidente fundador do Bloco Ilê Aiyê.
À frente do Ilú Inã estão Fernando Alabê, presidente, mestre de bateria e produtor e Fefê Camilo, musicista também presidente, produtora e administradora do bloco. Eles também vêm de família ligada às religiões de matriz africana.
Alabê ressalta que o bloco é mais uma ação de combate ao racismo estrutural existente no Brasil ao dar protagonismo a negras e negros: "Por ser de família negra, [o bloco] traz esse acolhimento e laço com todas as pessoas que encontramos aqui na Aparelha Luzia".
A Aparelha Luzia é um espaço cultural que difunde a produção artística e política da comunidade negra no centro de São Paulo, onde o Bloco Ilú Inã se reúne e ensaia.
Ilú significa tambor. Inã, fogo. Elementos presentes na simbologia do patrono do bloco, o orixá Exu, que rege as trocas, o movimento e a comunicação. Sobre a ligação com a religiosidade africana, Alabe comenta a importância que ela tem no processo de resistência do povo negro no Brasil.
"Religião é religião, cada um tem a sua, mas o Candomblé nunca foi só religião, foi a refazença (sic) [reelaboração] da África no território brasileiro", diz.
O apadrinhamento do Ilú Inã ocorreu dias antes de o bloco de São Paulo sair às ruas pela segunda vez em sua história. O evento ocorreu ao som de cânticos para os orixás e teve a presença de religiosos e integrantes dos dois blocos, além do público que lotou a Aparelha Luzia, na noite de sábado, 3 de fevereiro.
Para Alabê, do Ilú Inã, o bloco baiano, com 44 anos de existência, é uma inspiração: "A gente vai trilhando o nosso caminho, se espelhado no exemplo do Ilê, que não é só um bloco ou festa , mas toda uma tecnologia social empreendida na comunidade do Curuzu".
Referência do carnaval brasileiro, o Ilê Aiyê tem ações políticas para além da festa anual, como explica Val Benvindo, produtora do bloco.
"O ilê vai muito além de um bloco de carnaval. Costumo dizer que o carnaval é a ponta do iceberg porque a gente tem a escola Mãe Hilda, que é uma escola de Ensino Fundamental, que vai do primeiro ao quinto ano e a banda Erê, que é uma escola de percussão, canto e dança", explica.
Na última segunda-feira (5), dia de Exu, segundo a tradição iorubá, aconteceu o desfile do bloco Ilú Inã, reunindo centenas de pessoas. Neste ano, o tema do bloco foi Amor Negro e trouxe músicas sobre afeto e resistência.
Edição: Vanessa Martina Silva