Rafael Vilas Boas é professor da Universidade de Brasília (UNB) e integrante do setor de cultura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e conversou com o Brasil de Fato sobre agitação e propaganda e imprensa no centenário da Revolução Russa.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: O senhor informou que está lançando livro sobre o legado da Revolução Russa junto à Expressão Popular. Por que o senhor acredita que é importante estarmos debatendo, ainda nos dias de hoje, sobre esse processo revolucionário? De que forma a memória histórica desse período ainda se faz presente no momento político atual?
Rafael Vilas Boas: A Revolução Russa foi o acontecimento político e cultural mais importante do século XX. O intervalo de apenas um século é muito pequeno para medir as consequências do processo de transformação radical da realidade levado a cabo pelos soviets (conselhos). O século XX foi fortemente impactado pelo confronto entre dois projetos, o capitalista e o socialista, que chegou inclusive a dividir cidades e famílias por meio de muros de concreto, como ocorreu em Berlim, por décadas.
A experiência democrática dos conselhos diverge completamente da tradição de decisão política a partir das cúpulas dos partidos, sindicatos, e outras organizações sociais. Os conselhos foram instrumentos políticos construídos a partir dos aprendizados com as derrotas e avanços da luta de classes. Dizem respeito a uma cultura política construída em largo tempo histórico, que considera como relevantes a elevação da formação da consciência, o conhecimento da histórica, o senso de estratégia e tática, o direito à cultura geral e ao senso estético apurado.
O livro que está sendo lançado é uma construção coletiva organizada a partir das exposições dos palestrantes do seminário sobre o Centenário da Revolução Russa e a construção da pedagogia socialista que ocorreu na ENFF, foi organizado por Roseli Salete Caldart e por mim, mas tem textos de autores renomeados em suas áreas de pesquisa. A Revolução foi retirada de pauta em 1964, pelo golpe militar-civil. Desde então passou a ser visto como algo ultrapassado recolocar o ponto em questão. Entretanto, conforme parâmetros marxistas, não estaríamos nós, nessa conjuntura, voltando a viver uma situação revolucionária?
Que papel a agitação e a propaganda desempenharam enquanto forma de comunicação no processo da Revolução Russa em 1917? O uso do jornal foi importante nesse período?
É preciso registrar que a Rússia de 1917 tinha cerca de 80% da população analfabeta e a maior extensão territorial do mundo. Logo, até mesmo para que as comunidades distantes das grandes cidades ficassem sabendo do desencadeamento e do significado da revolução foi preciso grande esforço logístico, artístico e militar, para levar por meio de trens e barcos a agitação e propaganda em diversas linguagens: pelo cinema, teatro, artes plásticas, poesia, música, jornal, debates, etc.
Lenin considerava que a agitprop era o meio mais eficaz de instrução das massas, portanto, estamos falando de uma proposta política e pedagógica com alto nível de elaboração. E não do sentido rebaixado que nos chegou, de agitprop como algo panfletário, raso, rebaixado esteticamente. Sim, o jornal cumpria um papel informativo, formativo e organizativo das massas. Uma das conquistas da tentativa de revolução de 1905 foi a maior liberdade de imprensa na Rússia Czarista, o que permitiu o fortalecimento da cultura do debate de ideias, e isso se intensifica a partir da luta que culminou na queda do czar em fevereiro de 1917.
Qual herança da agitprop podemos perceber atualmente nos movimentos populares do Brasil?
Existem movimentos do campo, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o Movimento dos Pequenos Agricultores, e o Movimento dos Atingidos por Barragens que realizaram estudos de experiências anteriores e que têm acumulado processos organizativos, formativos e culturais nessa área.
E movimentos urbanos como o Levante Popular da Juventude. Uma das heranças atuais é o reencontro do agitprop com o trabalho de base, e com métodos de educação popular, sobretudo, após o rompimento aparentemente definitivo do pacto de conciliação de classes que regiu a democracia parlamentar burguesa no Brasil desde o fim da ditadura, em 1985. Outro legado se dá no campo dos experimentos estéticos com a fusão de diversas linguagens, por exemplo, na tradição das místicas e jornadas socialistas dos movimentos sociais.
Edição: Monyse Ravena