Em dezembro, completam-se 40 anos do falecimento da escritora brasileira e da publicação de uma de suas principais obras
Por que ler Clarice Lispector?
Quando o assunto é a escritora, o que não faltam são leitores apaixonados para falar da sua obra. A estudante de jornalismo Heloísa Iaconis é exemplo disso. Ela conta que admira muitas escritoras, cantoras e artistas do cenário cultural brasileiro. Mas Clarice, é certo, está entre as autoras preferidas. A paixão vem de cedo. Heloísa conheceu a escritora com 11 anos, quando estava na quinta série e leu A hora da estrela, uma das principais obras da autora.
"Eu leio Clarice porque, através dos textos dela, das histórias que ela criou, eu consigo manter viva a minha inquietude, que acho que é um pilar essencial da vida. Através das palavras dela, eu consigo deixar que pulse a minha capacidade de me indignar diante de muitas coisas, sejam sociais, políticas, de espírito ou psicológicas", conta.
Em dezembro de 2017, completam-se 40 anos da morte de Clarice e, também, da publicação de A hora da estrela. Ela nasceu na Ucrânia em 1920, época da Revolução Bolchevique, mas naturalizou-se brasileira. Para fugir da perseguição aos judeus, sua família se mudou para Recife ainda em seus primeiros anos. Escritora e jornalista, escreveu contos, romances, crônicas e obras infantis.
Mas, há quem acredite que ler Clarice não é uma tarefa fácil. Para a professora e doutora em literatura pela Unicamp Emília Amaral, grande parte disso se deve ao fato de a escritora desafiar o seu leitor.
"A dificuldade em ler Clarice vem da nossa dificuldade em pegar um romance, ou um livro de contos, e não achar logo o enredo. O traço estilístico básico de um romance é que ele vai contar uma história, e o leitor pega o romance esperando essa história. O estilo de Clarice é nos aquecer junto com ela para entrar na história. A gente entra com ela em um processo de metalinguagem de ir parindo a história, e o leitor faz parte disso", explica a professora.
Mulher e judia em uma época na qual a participação feminina na literatura ainda era pouco discutida, Clarice foi uma escritora muito mistificada. Ainda na década de 1960, ela encontrou dificuldade para publicar seus textos. Na época, estava em evidência o chamado "realismo socialista". Autores como Graciliano Ramos e João Guimarães Rosa ganhavam palco ao falar da realidade do povo brasileiro. Mas Clarice, como conta Emília, não se encaixava nessa demanda do mercado. "Está todo mundo pensando na realidade social, na seca, no sertanejo, e a Clarice está falando de dentro da nossa alma."
Aqueles que se dão a chance de conhecer a obra da escritora terão experiências diferentes das que têm com qualquer outro autor, explica a professora. "Ler Clarice, como ler qualquer boa literatura, é transformar a vida. É poder viver a partir da nossa vidinha única muitas outras vidas e descobrir muitas outras coisas que nos ampliam a humanidade. Ler Clarice, particularmente, é se conhecer melhor. É pagar o ingresso de ir mais fundo, de deixar de lado a superficialidade do cotidiano e tentar ir mais fundo naquilo que nós somos, queremos, dos nossos sonhos, contradições etc."
Para aqueles que ainda não entraram no mundo clariciano, a professora deixa uma dica: "Sugiro um livro de contos, especialmente Felicidade Clandestina e também Laços de Família, que são contos com enredos leves, curtos e absolutamente adoráveis. Você não consegue parar."
Emília escreveu, recentemente, a obra Para amar Clarice. O livro traz uma análise das obras da escritora, na tentativa de desmistificar suas histórias para que todos possam ser capazes de entender seus personagens. Uma boa chamada para aqueles já leem a autora e os que querem dar uma chance para conhecê-la.
Edição: Anelize Moreira