Uma das iniciativas que tem possibilitado a juventude das periferias de todo o Brasil a ingressar na Universidade são os cursinhos populares. Uma das iniciativas na Região Metropolitana do Recife foi o aulão pré-Enem do Cursinho Popular Mário de Andrade, que aconteceu no Ibura durante o mês de Outubro. Myllena Santos, uma das organizadoras do curso, conversou com o Brasil de Fato sobre os desafios da educação brasileira.
Como foi o Aulão pré-Enem Mário Andrade, no Ibura?
O aulão pré Enem que foi realizado no Ibura foi fruto do esforço realizado pelo Levante Popular da Juventude. Conseguimos envolver toda a militância e sem patrocínio, apenas com a ajuda de parceiros, professores voluntários e da própria comunidade que cedeu a sede da Associação de Moradores. Foi um conjunto de esforços que possibilitaram esse aulão e foi muito bonito e renovador, especialmente em tempos de golpe e retrocessos na educação. Enquanto retiram direitos como Assistência Estudantil na Universidade a gente está aqui na comunidade fazendo o esforço de coletivamente incentivar a juventude preta da periferia a estar no espaço da Universidade. Tivemos um dia muito intenso com professores de cursinhos que deram dicas muito importantes. Também houveram momentos de dinâmica, foi muito renovador tanto para a comunidade quanto para nós do Levante.
Em 2018 haverá outros aulões? O que o movimento planeja para o ano que vem?
Em 2018 a gente pretende continuar. O aulão foi um esquenta, um preparatório para o que está por vir que é cursinho popular. O cursinho se propõe a ter aulas o ano todo praticamente todos os dias para os jovens da periferia. Estamos escrevendo os projetos e editais das instituições para tocar esse cursinho no ano que vem, tanto os cursinhos quanto os aulões, a gente espera além do cursinho fazer aulões em outros lugares da cidade.
Por que o nome Mário Andrade?
O nome Mário Andrade é uma inspiração como também um símbolo de resistência, um símbolo de que a juventude da periferia negra e pobre está morrendo, porque o que vivemos é um extermínio da juventude. Mário era um menino que morava no Ibura e foi assassinando por um PM reformado com três tiros. Ele não era um marginal, como diziam, mas tinha um estigma, era mais um dos matáveis dessa sociedade e o policial matou esse menino sem pestanejar. Mário era um menino muito querido, amado, prestativo, que tinha sonhos, queria estudar e dar um futuro melhor para sua mãe. E o nome é fruto desse símbolo de resistência, é símbolo dos sonhos, de querer conquistar os nossos objetivos
Como o Levante avalia o atual formato de ingresso na universidade? O Enem é justo?
Myllena: O Levante avalia que o formato da educação brasileira avançou em muitas coisas, mas que não é suficiente. A educação ainda é muito bancária, tem muitas coisas engessadas. No ensino superior existe um funil, que é um sistema injusto que privilegia quem tem boas condições de estudo no ensino básico, como os cursinhos pré vestibulares. Isso virou um mercado onde pessoas lucram muito para que um direito seja assegurado. Estamos nos mês da Consciência Negra e é importante relembrar quem foi mais afetado. Foi a população negra que foi historicamente, secularmente injustiçada e oprimida e temos uma dívida histórica com essa população e ela ainda não está sendo paga como deveria. Nós, os jovens pretos da periferia somos pessoas consideradas matáveis, que não faz diferença estarem no mundo. É importante lembrar da nossa história que é tão forte no Brasil, a questão da escravidão e do racismo que é algo tão forte e tão arraigado nas nossas vidas. Então é importante lembrar, fincar nossa bandeira e dizer que não vamos abaixar a cabeça, nós não nos contentamos com esse processo seletivo e queremos a Universidade gratuita e de qualidade pra todo mundo, para que todos os jovens que queiram estar na universidade tenham esse direito, principalmente nós que temos essa desvantagem diante da classe burguesa e média, o que não é justo. Precisamos de uma educação tanto na base quanto na universidade que seja libertadora, que seja para todos e construída coletivamente. Como dizia o saudoso Paulo Freire, "quando a educação não é libertadora o sonho do oprimido é se tornar opressor" então é disso que precisamos, de libertação dessas amarras.
*Colaborou Vanessa Gonzaga.
Edição: Brasil de Fato