Neste domingo (05) o maior crime socioambiental do Brasil - e da mineração dos últimos cem anos - completa dois anos. A memória do rompimento da barragem de minérios de ferro da Samarco segue viva. Os impactos na vida e na saúde continuam afetando a população em toda região da bacia do Rio Doce.
O rompimento da barragem de Fundão despejou aproximadamente 50 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos de minério liquefeitos ao longo de 663 km da bacia hidrográfica do Rio Doce, levando a morte 19 pessoas e um abortamento. A lama de rejeitos seguiu o curso dos rio Gualaxo Norte, Carmo e Doce. Contaminou a bacia, comprometeu a pesca e inviabilizou o fornecimento de água ao longo das cidades ribeirinhas.
No que se refere aos danos à saúde da população, as informações coletadas junto aos serviços públicos de saúde e também dos relatos dos próprios atingidos é de que a população em toda região tem sofrido diversos impactos.
No aspecto físico, o contato com a lama de rejeitos vem provocando, nos atingidos de Barra Longa, o aumento das dermatoses, crises alérgicas e problemas respiratórios, além do aumento dos casos de dengue e febre amarela na região.
No aspecto da saúde mental, os profissionais de saúde que atuam no território relataram aumento dos casos de depressão, ansiedade, surtos psicóticos, tentativas de suicídio, aumento do uso abusivo de álcool e outras drogas, da violência doméstica, além do aumento das separações conjugais.
O crime denunciou à sociedade brasileira o modelo de exploração mineral, predatório e expansionista de alcance mundial, vigente no país desde o período colonial. Tal modelo é sustentado por um sistema de produção que lucra às custas da extração das riquezas minerais finitas e da força de trabalho de milhares de trabalhadores precarizados e terceirizados.
O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking dos maiores produtores de minério de ferro do mundo, sendo que Minas Gerais concentra a maior reserva de nióbio do país. O chamado ouro negro brasileiro é responsável por 92,6% das exportações de minério brasileiro. Toda produção realizada visa abastecer o mercado global; nada fica em solo brasileiro. A Vale S.A, privatizada no governo Fernando Henrique Cardoso, comanda aproximadamente 85% da produção e exportação de minérios no Brasil. Somente no primeiro trimestre de 2016 lucrou aproximadamente R$ 6,3 bilhões, número recorde de produção trimestral da sua história.
O rompimento da barragem de Fundão pertencente à mineradora Samarco S.A, de propriedade da Vale S.A (50%) e BHP Billiton (50%) não foi um acontecimento dissociado deste contexto. Tampouco foi um acidente. Os rompimento de Fundão, de outras barragens de rejeitos (sete somente em Minas Gerais) e de centenas com risco real de rompimento, revelam e anunciam o final do ciclo de crescimento das exportações dos últimos dez anos.
A estratégia adotada pelas mineradoras para não perder sua margem de lucro foi a de expansão e aumento da produção, construindo mais barragens, abrindo novas minas, precarizando os contratos de trabalho e aumentando a contratação de trabalhadores terceirizados. Além de cortes de custos com monitoramento e segurança das barragens e com as condições de trabalho.
Todos estes elementos, associados ao descumprimento das exigências do licenciamento da obra de construção da barragem, construiu o cenário de um crime socioambiental que, de forma perversa destruiu, soterrou, matou e escancarou a contradição de um sistema que se sustenta através da desigualdade e da máxima da exploração.
A lama da Samarco apresenta ao povo brasileiro um projeto de morte, de destruição da natureza e das vidas humanas. Denuncia um modo de produção predatório, excludente que sustenta o lucro, a ganância e o poder de poucos em detrimento de uma população que historicamente resiste nesta região. A lama da morte trouxe com ela sofrimento coletivo, o luto generalizado.
No entanto, o contexto da lama se tornou material fértil para o surgimento da resistência dos atingidos. São dois anos de luta pela reparação dos direitos e pela reconstrução das suas vidas; para que o maior desastre do país não caia no esquecimento e na impunidade.
*Camilla Veras é doutoranda em Psicologia Social da PUC-SP e militante do Levante Popular da Juventude.
Edição: Daniela Stefano