Coluna

Sobre as palavras que me navegaram até aqui

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"Me sinto livre para escrever, compor, cantar e atuar, sem perder a minha essência de literária"
"Me sinto livre para escrever, compor, cantar e atuar, sem perder a minha essência de literária" - Elaine Campos
Espero que nossas prosas sejam produtivas e que nos levem a navegar juntos

Sou Débora Garcia, aos 34, trago na bagagem muitos sonhos. Nascida e criada em Itaquera, periferia da capital paulistana, há cerca de dez anos protagonizei uma grande mudança em minha vida. Mudança esta impulsionada por um vento bom que rumou meu barquinho de papel para navegar em uma rota sem volta: a literatura.

Antes de me deparar com o cenário artístico-literário, me apeguei com todas as forças ao objetivo de entrar em uma universidade pública como sendo uma boia salvadora para dar uma guinada em minha vida. 

Após inúmeras tentativas, fui aprovada para cursar Serviço Social na UNESP.  Durante a minha graduação compreendi que a concentração de renda, o racismo estrutural e o machismo são os pilares da sociedade brasileira. Esse discernimento e a consciência de que eu sou uma peça que faz essa máquina de moer gente engrenar, me gerou uma grande revolta. Canalizei na escrita, sem pretensão literária alguma, já que até aquele momento, desconhecia escritores negros nos quais pudesse me espelhar. 

Nessas navegações, aportei na Associação Cultural Literatura no Brasil, na cidade de Suzano, na qual tive as minhas primeiras vivências com o universo dos saraus literários e com a literatura periférica, marginal, negra. Integrei o Coletivo Marginaliaria, de São Miguel Paulista, no qual tive as primeiras vivências musicais e cenopoéticas. Passei a colaborar com o Quilombhoje Literatura e publiquei pela primeira vez na Antologia Cadernos Negros, organizada por esta editora e coletivo cultural. 

Publiquei de maneira independente, o livro Coroações – Aurora de poemas, que já conta com cerca de 3 mil exemplares distribuídos em minhas navegações. Gravei o vídeo-clipe Pretas Panteras, através do qual reverencio minhas ancestrais e contemporâneas. 

Através desta literatura produzida pelos meus iguais tive apoio para transformar meus questionamentos em ações. Ressignifiquei o meu lugar de moradia, a minha autoimagem e as minhas vivências artísticas, que iniciaram como pequeno fio d’água e se transformaram em um caudaloso rio de possibilidades, que á arte. Assim, navego por letras, cenas e sons.  

Posso dizer que estou no meu melhor momento, colhendo os frutos desses quase dez anos de navegações. Há cerca de um ano, estou à frente do Sarau das Pretas, coletivo artístico-literário que reúne cinco mulheres negras das periferias de São Paulo e que usam a arte para pautar questões como feminino, feminismo, cultura e ancestralidade negra. 

A estrutura performática do coletivo propõe o diálogo entre a palavra, a música e as artes cênicas. Essa configuração me conferiu a liberdade necessária para criar e explorar todas as possibilidades de ser mulher, negra e artista. Romper com a formalidade e a sobriedade que, no imaginário popular, caracterizam a figura do escritor. 

Assim, me sinto livre para escrever, compor, cantar e atuar, sem perder a minha essência de literária. Acredito que todas as linguagens citadas são formas potenciais e concretas para dar vida a uma história, a uma narrativa, o que se propõe ao ofício da escrita.

Por fim, as letras que me navegaram me trouxeram a esse espaço, na condição de colunista. Nossas prosas serão quinzenais, podendo haver edições extraordinárias. Conversaremos sobre temas relacionados à produção cultural periférica, trazendo como temas transversais questões de gênero, etnia, território, sociedade e cotidiano; a partir do prisma de uma mulher preta, artista, ativista, assistente social e periférica. Essas temáticas identificam o meu lugar de fala e pautam minhas posições políticas e ideológicas, que também estão em constantes ressignificações.

Identificar o lugar de fala significa dar vez, voz e a relevância necessária a temáticas que não têm espaço na grande mídia. É importante considerar que, na sociedade brasileira, os meios de comunicação são monopolizados por um grupo muito restrito, o qual também detém a concentração do capital. 

Nesse contexto, a não democratização dos meios de comunicação corrobora para o fortalecimento de um discurso enviesado que favorece a polarização social e o aumento da intolerância ao pensamento divergente do hegemônico. Esse tipo de informação não atende aos anseios da população por uma informação crítica e democrática, que permita aos cidadãos o acesso à todas as perspectivas de um fato, cabendo somente a ele chegar às suas conclusões. Daí a importância de ocupar esse espaço. Nesse sentido, as/os leitores poderão sugerir pautas, enviar críticas e sugestões através do e-mail que irei relacionar ao final. 

Divergências e convergências à parte, espero que nossas prosas sejam produtivas e que nos levem a navegar juntos, sempre primando pela premissa do respeito. Até breve!   

* Débora Garcia é poetisa, gestora cultural, idealizadora e artista no coletivo Sarau das Pretas.

Edição: Daniela Stefano