Presa durante dois anos acusada de ser comunista, a autora inseriu o feminino no universo da política
Conceição, Maria Augusta, Noemi, Maria Moura e Dôra Doralina. O que todos esses nomes têm em comum? Quem começa a ler a obra da escritora brasileira Rachel de Queiroz percebe fácil.
Todas elas são protagonistas dos livros da cearense, que ocupou o meio literário em uma época em que autoras femininas eram minoria. A escritora chamava as personagens dela de "mulheres danadas", por estarem muito à frente de seu tempo.
Nascida em 1910 em Fortaleza, Rachel de Queiroz ainda é presença viva nas estantes dos apreciadores da literatura brasileira.
Em 1917, fugindo de uma das piores secas que atingiu o nordeste, foi obrigada a migrar com a família. As lembranças desse período influenciaram a publicação de seu primeiro romance: "O Quinze".
Foi nesta obra, escrita aos 19 anos, que Rachel mostrou a que veio. Em meio ao cenário da seca, nasceu Conceição, sua primeira personagem feminina.
"Conceição é uma mulher que foi atípica em sua época, é uma construção absolutamente livre e independente, impensada para uma mulher da década de 1930, que é o momento em que a obra foi publicada. Era uma mulher que viveu, no tempo cronológico da obra, em 1915, mas que não queria se casar, que não pensava em ter filhos, que trabalhava fora e conquistou um espaço do lar, da casa, mas também conquistou um espaço externo. E eram questões impensadas para a mulher."
Quem analisa é a professora da educação básica Laile de Abreu, que também é docente na Faculdade de Educação e Tecnologia da Região Missioneira do Rio Grande do Sul e estudou as representações da mulher na obra de Rachel de Queiroz.
Ao longo dos mais de 70 anos de produção literária, a nordestina escreveu cerca de três mil crônicas para jornais. Mas, foi nos longos romances que Rachel deixou sua herança para a literatura, a cultura e para as brasileiras. Por todo esse trabalho, ela foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, em agosto de 1977.
Uma das obras mais reconhecidas da escritora completa 80 anos em 2017. "Caminho de Pedras" foi escrito por Raquel no confinamento da prisão, durante a vigência do Estado Novo de Getúlio Vargas. A autora foi acusada de ser comunista e ficou detida por dois anos.
"O debate na obra é político e vai inserir a mulher na militância. Essa é a grande novidade da escrita de Rachel: ela inserir a mulher como participante dessa célula comunista e uma mulher que vai se sobressair politicamente em relação ao homem", explica Laile.
Através da personagem Noemi, Rachel retrata a vida de uma mulher que militava no Partido Comunista e sofreu duplo preconceito: tanto por sua atuação política, como por ter uma paixão fora do casamento.
"É um romance em que Rachel utiliza muito a sua experiência no Partido Comunista, como militante que foi. Nós percebemos que, embora ela tente trabalhar a liberdade feminina pelo viés político, as dificuldades e limitações impostas à mulher por uma sociedade patriarcal se tornam evidentes na escrita, na postura de Noemi, bem como dos homens, com os quais ela convivia, uma vez que a maioria dos participantes do Partido Comunista eram homens", diz a professora.
Mais do que tema dessa obra, a política foi um dos eixos centrais da vida da escritora, como ela disse no programa de TV Frente a Frente, na Rede Vida: "Eu sou um animal político. Acho que a minha paixão maior é realmente política em todos os sentidos. Desde a pequena política do amigo que quer se candidatar a isso ou àquilo, até a política maior, da Europa, do Brasil, da América Latina. Eu sou um animal político realmente, tanto que a minha leitura predileta não é ficção, é a história."
Assim como suas "mulheres danadas", a escritora foi à frente de seu tempo ao narrar histórias de uma liberdade construída pelas mulheres ainda hoje.
Edição: Camila Salmazio