Cultura camponesa

Sementes que brotam Paixão

Festa tradicional na Paraíba valoriza a preservação e multiplicação de sementes crioulas

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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A Paixão é alimentada pela tradição popular das sementes crioulas
A Paixão é alimentada pela tradição popular das sementes crioulas - Foto: Kaká Nascimento

Imagine uma Festa com muitas histórias camponesas. Dentre elas, respeito à natureza, solidariedade, autonomia das famílias agricultoras, adaptação aos períodos sem chuvas e produção de alimentos saudáveis. Tudo isso registrado através de sementes crioulas, que no Estado da Paraíba são chamadas como Sementes da Paixão.

“As Sementes da Paixão, para mim, já está dizendo que é paixão, é amor, é uma coisa que a cada história, aquela semente vem trazendo. Então eu fui me apaixonando e entendendo porque se chama a Semente da Paixão. Quando eu cheguei na casa do meu sogro, a primeira coisa que eu vi era um silo grande, enorme. E a primeira coisa que eu disse: ‘o que é isso?’ Eu nunca tinha visto. E ele disse: ‘aí é onde guarda o nosso tesouro. ‘O que é que tem aí?’. Ai ele foi abrir e tirar que tinha feijão. Era feijão rabo de peba. ‘Que feijão lindo’. Eu nunca tinha visto aquele feijão. Isso há dezesseis anos. Aí ele começou a falar. ‘Olhe, essa semente a gente já vem cultivando há tempos. Comigo já faz mais de vinte anos que eu tenho. Isso já veio de um tio, já vem de um irmão e assim sucessivamente. Ele tem um jerimum de horta que faz mais de quarenta anos que ele cultiva. Então, cada semente tem uma história. Antes de chegar na sua mão, ela já passou pela mão de várias pessoas da sua família ou de alguém que já muito importante para você”, lembra a agricultora Sara Constâncio, do município de Cubati (PB).

O batismo da “Paixão” foi feito em 1998, quando o agricultor Cassimiro Caetano Soares, conhecido como Seu Dodô, falou sobre a importância das sementes crioulas na vida dele e das famílias camponesas durante um Encontro Estadual para a convivência com o Semiárido. E nos dias 5, 6 e 7 de outubro deste ano, o município de Boqueirão, no Cariri paraibano, junto muitas dessas histórias na sétima edição da Festa das Sementes da Paixão. Agricultoras e agricultoras de todas as regiões da paraíba trocaram sementes, compartilharam histórias e articularam suas vozes políticas para permanecer guardando e multiplicando suas espécies de sementes. A Festa é uma realização da Articulação Semiárido Paraibano (ASA Paraíba).

“A sétima Festa Estadual das Sementes da Paixão já faz parte do calendário da ASA Paraíba. Então, desde 2003, a gente vem realizando as Festas. E essa sétima edição acontece num momento ímpar da nossa história. Onde ocorre um desmonte das políticas públicas e um desmonte das políticas para a convivência com o Semiárido. Então as perdas que nós tivemos ultimamente também interferem na produção e conservação das sementes”, destaca Glória Araújo, coordenadora da ASA Paraíba.

Um exemplo dessa perda ou enfraquecimento questionado pela ASA Paraíba é a situação do Programa Sementes do Semiárido, executado pela Articulação Semiárido Brasileiro, que cria estruturas e condições para a conservação e multiplicação das sementes crioulas. Além disso, há uma preocupação constante também com possíveis contaminações genéticas. As sementes transgênicas, por exemplo, podem alterar os códigos das Sementes da Paixão, causando perdas irreparáveis. Ou seja, a ameça genética pode ameaçar também as boas histórias camponesas.

“A importância das Sementes da Paixão para a agricultura é de suma importância. Porque a gente vê que essas sementes criadas em laboratório, geneticamente modificadas, é uma semente que é feita pra lá, aleatoriamente. E a Semente da Paixão é aquela semente que a gente guarda no coração, guarda dos nossos pais. Como eu que tenho umas sementes de fava e de milho que foi a semente que era meu pai que plantava, que meu plantava. E é aquela semente que a gente guarda, com a aquela segurança alimentar para a nossa família, para os nossos animais. É uma semente antiga, que a gente guarda sabendo o que gente está plantando e comendo”, comenta Dona Lita, agricultora que participou da Festa.

Vale destacar que as sementes manipuladas em laboratório não podem ser modificadas para se adaptar à biodiversidade e culturas locais, não germina novas sementes e podem causar dependência financeira ou de insumos químicos, como, por exemplo, os agrotóxicos.
 

Edição: Monyse Ravena