“Eu derrotei a velha política”, dizia Henrique Capriles em 2012, quando era o jovem candidato à Presidência da República que concorria com o então presidente Hugo Chávez. Na época, ele também era o líder da oposição e a nova cara da direita venezuelana: Capriles havia vencido disputas internas e superado os velhos caciques dos partidos mais antigos. De fato, em 14 anos de disputa contra Chávez, o resultado alcançado por Capriles em 2012 era o mais favorável para a oposição em uma eleição presidencial desde 1998.
Hoje, cinco anos depois, o cenário é outro. A oposição tem mais de uma cara, e elas têm algumas rugas... Entre os líderes agora está o deputado Henry Ramos Allup (Ação Democrática), o deputado Julio Borges (Primeiro Justiça) e Angél Oropeza, coordenador da Mesa da Unidade Democrática (MUD), a coalisão política que reúne 18 partidos da oposição.
Dessa forma, a velha direita venezuelana começa a recuperar parte de seu protagonismo depois de quase 20 anos de ostracismo. Até o final dos anos 1990, os partidos Copei (social-cristão) e Ação de Democrática se revezaram no poder por mais de 50 anos.
O Ação Democrática foi o partido mais importante da Venezuela durante toda a Quarta República, período que iniciou em 1958, com o fim da ditadura do general Marcos Pérez Jiménez, e se estendeu até 1998, com a eleição de Hugo Chávez.
O Copei era um partido mais elitista e representava uma burguesia dominante, enquanto que o Ação Democrática era controlado por setores de centro-direita, como um viés populista.
Em 1998, quando Hugo Chávez venceu as eleições presidenciais pela primeira vez, esses dois partidos começaram entrar em decadência. O Copei praticamente desapareceu, devido a problemas internos, e desde lá não conseguiu se reerguer. Já o Ação de Democrática manteve a mesma estrutura partidária, mas com pouca participação eleitoral. Até março desse ano, quando parece ter ressurgido das cinzas.
A partir do ano 2000, surgiram outros partidos, que hoje compõem a MUD. Entre eles, está o Primeiro Justiça, criado em 2002, e o Vontade Popular, em 2009, como resultado de uma dissidência do Primeiro Justiça. Também em 2009 surgiu o partido Um Novo Tempo, dissidência do Ação Democrática. Em 2012, foi criado o Avançada Progressista, que reuniu militantes oriundos de quarto partidos de esquerda, entre eles o Podemos, o Pátria Para Todos, o Gente Emergente e o Partido Socialista Unido da Venezuela.
Primeiros sinais de recuperação
Durante um processo de validação do registro eleitoral dos partidos políticos, realizado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) com o objetivo renovar o registro eleitoral dessas organizações, o presidente do Ação Democrática, Henry Ramos Allup, autoproclamou seu partido como o líder dos opositores ao governo de Nicolás Maduro.
Isso porque o poder eleitoral exigia um número mínimo de assinaturas de militantes, que deveria ser maior que 1% do total de votantes. Entre os opositores, o Ação Democrática teve mais apoiadores. “O número de assinaturas apresentados pelo Ação Democrática está acima da média das outras organizações políticas opositoras”, declarou Allup.
Meses depois, um segundo triunfo sobre os demais opositores: nas eleições internas dos partidos da direita venezuelana, realizadas no último 10 de setembro para selecionar candidatos únicos a governadores, o Ação Democrática venceu em dez estados, e outros dois candidatos do partido foram escolhidos por consenso. Isso quer dizer que o partido terá candidato único concorrendo contra o PSUV, do presidente Nicolás Maduro, em 12 dos 23 estados venezuelanos.
O Primeiro Justiça, liderado por Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional, venceu em três estados; e o Vontade Popular, do político Leopoldo Lopez, não conseguiu emplacar nenhuma candidatura. Ou seja, os dois partidos protagonistas dos protestos contra o governo de Maduro neste ano tiveram um desempenho eleitoral menor que em processos eleitorais anteriores. Isso significa que não conseguiram converter o descontentamento dos setores opositores com o governo em votos para seus partidos.
“Creio que a grande lição que fica é que a política não é um linha reta e tem múltiplas facetas. Não podemos fazer uma única coisa, em um único momento. O processo de mobilização de rua necessita liderança e, nesse momento, nossos líderes estavam ali, para dirigir o descontentamento das pessoas em uma das formas de expressar, que são os protestos. Agora estamos em outro momento, que exige outro tipo de liderança para conduzir tudo isso em voto”, afirma Alejandro Vivas, diretor de comunicação do partido Primeiro Justiça.
Para o deputado da Assembleia Nacional Ivlev Silva, membro do Ação Democrática, o grande desafio dos partidos opositores é se desvincular do saldo de violência que deixou os protestos, os piquetes e as explosões a bombas realizados por grupos opositores entre abril e julho desse ano.
“O maior desafio da oposição é comunicar melhor nossas pautas. Não podemos defender a ideia de caos, de marchas sem retorno, a violência generalizada”, destaca Silva.
Posição neutra
Nesse sentido, a estratégia do Ação de Democrática foi a de não criticar abertamente os piquetes, tampouco apoiar publicamente os protestos violentos encabeçados pelos partidos de direita. O partido também aproveitou esse últimos meses de protestos para concentrar energia em sua reorganização interna.
“No auge do conflito político, no mês de julho, o líder do Ação de Democrática, Henry Ramos Allup, foi o primeiro dirigente da oposição a anunciar que iria participar das eleições regionais a governadores e que teria um candidato à Presidência da República em 2018. Então está claro que ele se sente mais cômodo nesse plano oscilante, que é o plano da velha direita”, explica o sociólogo e jornalista argentino Marco Teruggi, radicado na Venezuela há quatro anos.
Nessa época, alguns setores da direita, como o movimento Vem-te Venezuela, defendia o boicote eleitoral e a continuação dos protesto violentos como forma de pressionar o governo de Nicolás Maduro.
“Nas eleições primárias da oposição, tivemos muitos líderes da oposição que defenderam a abstenção. Nós, da Ação Democrática, consideramos que esse é um chamado equivocado, mas respeitamos a opinião de cada um”, afirmou Ivlev Silva.
Nesse sentido, a direita tradicional divergiu dos outros partidos mais radicais, segundo Teruggi. “O Ação Democrática manteve a linha de confrontação pública, mas sempre apostando em uma saída eleitoral. Ele trabalha com ideia de ir conquistando fatias do poder, começando pela Assembleia Nacional, depois ganhando eleições para governadores e prefeitos, até chegar à Presidência. Ao mesmo tempo, realiza um forte ataque à economia, o que gera desgaste ao governo, e isso se converte em votos”, analisa o jornalista.
Entretanto, é valido salientar que, se por um lado o Ação Democrática, um partido que representa setores da velha oligarquia venezuelana, ganhou a maioria das candidaturas nas eleições internas da MUD, por outro o Primero Justiça, representante de uma direita mais agressiva, terá candidatos nos estados mais populosos e de maior poder econômico, como Zulia e Miranda.
“O Ação Democrática pode ter ganhado em número de estados, mas o Primeiro Justiça obteve a maior quantidade de votos na soma total dos participantes das eleições primárias”, ressalta o dirigente Alejandro Vivas, da MUD.
Teruggi acrescenta que, em relação ao trabalho de base dos opositores, os que estão desenvolvendo atividades de maior alcance são o partido Vontade Popular e, em seguida, o Primeiro Justiça e o Vem-te Venezuela.
“Inclusive, o Vontade Popular conseguiu montar espaços de organização de base em bairros como o Petare [a maior favela da Venezuela, no leste de Caracas] e em La Pastora [bairro de maioria chavista, próximo ao palácio presidencial de Miraflores, no centro de Caracas]”, observa o sociólogo e jornalista argentino.
Edição: Camila Rodrigues da Silva