Estudos recentes feitos por vários especialistas apontam que os brasileiros considerados muito ricos pagam menos impostos do que se imaginava. Uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (25) pela entidade britânica Oxfam mostra que os 21% mais ricos da população pagam menos impostos do que a população mais pobre, que gasta 32% da renda com tributos.
Em entrevista exclusiva concedida ao Brasil de Fato, o economista Sérgio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), considera que a democratização do acesso à terra reduziria a desigualdade no país.
Ele também apresenta outros dados, baseados em uma publicação da Receita Federal. O levantamento foi feito com base no pagamento de impostos dos brasileiros. De acordo com a pesquisa, as pessoas que ganham cerca de R$ 5 milhões por ano, que correspondem a 1% da população, são isentas de tributos em dois terços de sua renda.
Diante desse diagnóstico e em um cenário de crise fiscal, Gobetti avalia que o governo precisaria rever a lógica do sistema tributário adotado no país. Confira a seguir os trechos principais da entrevista:
Brasil de Fato: A desigualdade de renda é um dos temas mais em voga no momento. Quais os motivos dessa discrepância e por que o Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo?
Sérgio Gobetti: Na verdade, o que mais tem chamado a atenção no período recente não é apenas o grau de desigualdade. Que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo já há algum tempo que se sabe, e isso é explicado por diversos fatores. Mas a novidade que apareceu nos estudos mais recentes é que a desigualdade não vem caindo como se imaginava. Isso só foi descoberto recentemente, com publicação pela Receita Federal dos dados mais detalhados das declarações de imposto de renda das pessoas físicas. Esses dados mostram que a concentração de renda e riqueza no topo da pirâmide social é bem maior do que o refletido nas pesquisas domiciliares e também revelam que os muito ricos no Brasil pagam pouquíssimo imposto.
Olhando pra esses números que estão sendo revistos agora, o que essa pesquisa traz de mais relevante?
O acesso a esses dados das declarações do IRPF nos permitiu verificar que a concentração de renda pelos muito ricos no Brasil talvez seja a maior ou uma das maiores do mundo. Aliás, quando se fala de ricos ou muito ricos no Brasil, a gente não está falando dos 10% mais ricos. (...) Se fosse, estaríamos falando de qualquer pessoa que ganhe acima de R$ 5 mil por mês e, evidentemente, isso não torna ninguém rico. Estamos falando do 1% mais rico, ou melhor, do 0,05% mais rico, que são aquelas pessoas que ganham, em média, em torno de 5 milhões de reais por ano e concentram 7% da renda nacional. Dois terços da renda dessas pessoas são isentos de impostos, e isso é um fato chocante. Por que isso? Porque grande parte da renda dessas pessoas provém de lucros e dividendos distribuídos. Em media, os milionários brasileiros pagam menos imposto do que a classe média alta, por exemplo. Ou seja, não existe uma progressividade no nosso sistema tributário. E isso contribui para que a desigualdade não seja reduzida.
Que outras medidas seriam necessárias, na sua avaliação, pra que o país buscasse uma redução maior da desigualdade de renda? A reforma agrária, por exemplo, teria um peso relevante?
Acho que sim, que a democratização do acesso à terra num país como o Brasil é, sem dúvida nenhuma, importante. Aliás, diga-se de passagem, os proprietários de terra no Brasil pagam pouquíssimo imposto. O ITR, por exemplo, que é o Imposto Territorial Rural, é motivo até de chacota, de piada entre economistas e mesmo entre aquelas pessoas que pagam, porque ele é um imposto declaratório. As pessoas têm milhares de hectares e pagam uma bagatela de ITR. Produtores rurais também tiram vantagens no seu pagamento de IRPF.
Vivemos um momento de arrocho fiscal e temos uma previsão de 20 anos de arrocho, com gastos sociais por conta da aprovação da PEC 55. Olhando pra essa projeção, é possível afirmar que esse ajuste tende a ampliar a desigualdade?
Infelizmente, pela estrutura do Estado brasileiro, é muito difícil fazer mudanças e reformas que atinjam os mais privilegiados. Não só na questão da tributação do setor privado, porque os mais privilegiados, os mais ricos têm poder econômico e tentam bloquear quaisquer iniciativas nesse sentido, como na própria administração pública. Os setores mais privilegiados, que têm maior poder de barganha no setor público também, em geral, ficam protegidos, não sendo atingidos pelos ajustes fiscais.
Esse é um tema espinhoso porque, em geral, os governos não querem enfrentar o poder dessas corporações. Então, tanto no setor privado quanto no setor público, os grupos de maior poder de barganha acabam limitando as opções de ajuste fiscal a iniciativas que prejudicam ainda mais o investimento público ou afetam, inevitavelmente, áreas sociais mais frágeis.
Edição: Vanessa Martina Silva