Saúde

STF julga proibição de amianto, fibra cancerígena banida em mais de 70 países

O uso da substância está diretamente relacionado aos casos de mesotelioma e outros tipos de câncer

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Cena do documentário Não Respire - Contém Amianto
Cena do documentário Não Respire - Contém Amianto - Repórter Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar, nesta quinta-feira (10), a proibição do uso de amianto em quatro estados na indústria brasileira. O uso da substância está diretamente relacionado aos casos de mesotelioma, um tipo de câncer fatal.

A Corte vai analisar um conjunto de ações que questionam leis estaduais e municipais que baniram o material em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco.

Margaret Matos, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) no Paraná, está otimista e espera que o STF reafirme o poder dos estados em legislar mais restritivamente contra o amianto. 

Segundo ela, estas leis foram aprovadas depois de muita luta e pressão das entidades e movimentos ligados à defesa da saúde e à defesa dos trabalhadores. Matos está à frente do Observatório do Amianto, que reúne organizações que lutam pelo banimento do produto no Brasil.

"Não é possível que mais que 70 países em que houve o banimento, o Brasil continue atrasado, permitindo a utilização de uma substância reconhecidamente cancerígena", disse a procuradora.

Uso controlado

As entidades aguardam ainda a inconstitucionalidade da Lei Federal 9.055, que autoriza o uso controlado do amianto branco, a crisotila. "Nós esperamos que essa seja, de fato, a posição da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Mas, por outro lado, nós também reconhecemos que existe um lobby econômico, principalmente da Eternit."

A empresa é dona da Mina de Cana Brava, em Minaçu (GO), a única local de extração de amianto em atividade no país. Com o julgamento, a mina seria encerrada e a Eternit teria que empregar fibras alternativas. Procurada pelo Brasil de Fato, a empresa afirmou que não se pronunciará sobre o assunto.

Para Fernanda Giannasi, ex-auditora fiscal do Ministério do Trabalho e ativista histórica contra a substância no país, o argumento do uso seguro da fibra cancerígena é uma falácia. Ela afirma que a tese é utilizada para postergar o debate do banimento da matéria-prima no país. 

"Eu fui fiscal por 30 anos do Ministério do Trabalho e posso lhe assegurar que não existe uso seguro do amianto. Isso é mais do que provado", disse. "Em lugar nenhum do mundo o uso controlado foi considerado factível. A própria organização mundial do comércio, imagine, um órgão que tem interesses de defesa do livre comércio, disse que não havia factualidade na tese do uso controlado, que não ocorria nem nos países de economia desenvolvidos nem nos periféricos", disse.

Saúde pública

Empresas que defendem a continuidade do uso argumentam que os casos de complicações estão relacionados a exposição até a década 1950, o que Giannasi discorda. "Dizer que ninguém vai ficar doente se exposto a partir de 1980, não é epidemiologia, é futurologia porque são doenças que vão se manifestar tardiamente", disse a advogada.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 125 milhões de pessoas em todo mundo estão expostas ao amianto em seus locais de trabalho, através da inalação de fibras presentes no ar. Uma de cada três mortes por câncer ocupacional deve-se ao produto.

Matos pondera que, além da proibição, o governo deve buscar organizar atendimento adequado para as pessoas expostas e acesso à medicação necessária por meio do Sistema Único de Saúde. "No Brasil, o que se prevê, considerando o tempo que utilizamos o uso do amianto e o tempo que estamos demorando para abolir o amianto, é um epidemia de número de adoecidos para 2020 e 2025. Temos que estar preparados para este momento", alertou a procuradora.  

Economia

Atualmente, já existem no mercado a possibilidade de substituição do amianto com fibras alternativas. A substância é utilizada para confeccionar  materiais de construção, como telhas e caixas d’água, produtos de fricção para veículos automotivos e para vedação e isolamento térmico.

Para Giannasi, interesses comerciais e industriais se sobrepõem a discussão da saúde pública. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial, terceiro maior exportador e quarto maior utilizador. 

A judicialização do amianto já ocorre há 16 anos. A primeira Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o tema é de 2001. "O Brasil na geopolítica do amianto tem um papel central. O que acontecer aqui amanhã vai ter reflexos no mundo todo, com certeza", finalizou a ativista.

Edição: Simone Freire