O Programa Remédio Rápido, da gestão de João Doria (PSDB) na prefeitura de São Paulo, está sendo pressionado por parlamentares das esferas estaduais e municipais.
Na última terça (27), o deputado estadual Carlos Neder (PT-SP) protocolou um requerimento solicitando informações à Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo sobre a doação dos medicamentos por empresas privadas a Unidades Básicas de Saúde (UBS), incentivada pela prefeitura.
Neder considera que as doações feitas nos moldes encaminhados feriram as diretrizes do SUS por não se subordinarem aos mecanismos de participação e controle da sociedade e do próprio estado. O órgão tem 30 dias para se manifestar.
“Em toda a trajetória do SUS, nunca houve a proposta de passarmos para iniciativa privada aquilo que é competência do poder público”, afirma. Para ele, cria-se uma lógica que visa substituir o poder público pela iniciativa privada.
Programa Remédio Rápido
No início de fevereiro, o governo Doria fez uma parceria com 12 empresas farmacêuticas para o fornecimento gratuito de remédios utilizados na rede municipal de saúde. Em seguida, o governo do estado de São Paulo isentou essas empresas do pagamento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) por meio de decreto.
A isenção ocorreu por meio de uma negociação direta entre Doria e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).
“Os governos do PSDB, com a proposta do estado mínimo e diminuição do papel do poder público na relação com o setor privado, vêm progressivamente entregando a gestão e a execução das políticas públicas para entidades privadas”, analisa Neder.
As doações de remédios na cidade de São Paulo, para ele, está na esteira de outras medidas, como a imposta pelo desmonte das farmácias populares. “O poder público está abrindo mão de investir em suas próprias farmácias. O plano federal de desativar o projeto de farmácias populares tem os seu correspondente na cidade de São Paulo”, observa.
Num momento que toda a política do governo estado ocorre no sentido de controlar gastos, Neder estranha a isenção do ICMS. “Soa estranho conceder benefícios tributários aos segmentos de maior lucratividade que temos hoje e que têm participação significativa no financiamento de campanhas eleitorais de vários partidos”, finaliza.
Denúncia no MP
No início de junho, denúncias de parlamentares e da imprensa destacavam pontos polêmicos da doação de medicamentos, que chegaram às farmácias com período de validade inferior a seis meses.
Uma delas foi encaminhada pelo vereador Toninho Vespoli (PSOL-SP), que entrou com representação via Ministério Público (MP) assim que os primeiros remédios começaram a chegar nas prateleiras, em abril. Para ele, há pontos não esclarecidos dessas doações.
Um deles é o valor das doações. Vespoli fez um levantamento com informações disponíveis no site da prefeitura e comparou os valores dos remédios. Segundo ele, as notas fiscais das doações são supervalorizadas para criar uma boa imagem perante a população.
Outro questionamento é sobre o fato de esses medicamentos serem enquadrados como “doação”, uma vez que houve contrapartida por meio da isenção de ICMS.
Para Vespoli, as empresas foram as grandes beneficiadas nesse processo. “A empresa ganha porque iam gastar com a incineração, ganham pelo crédito do ICMS, ganham na propaganda e [João] Doria ganha porque infla os números e passa a imagem de bom administrador”, afirma.
O vereador acredita que a medida tenha sido uma manobra para justificar, por exemplo,a criação da Secretaria de Doações, montada pelo prefeito ao mesmo tempo que outras secretarias, como a das Mulheres e da Igualdade Racial, sofreram desmontes.
Justificativas
Segundo o coordenador do Programa Remédio Rápido, Joel Formiga, a prefeitura de São Paulo está elaborando, por meio da Secretaria de Saúde, resposta ao MP sobre a doação de remédios distribuídos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Em entrevista ao Saúde Popular, Formiga rebateu as acusações e classificou as críticas de “equivocadas”. Sobre a necessidade de repor os remédios via negociação com a iniciativa privada, ele afirma que foi devido ao caráter de emergência por conta do “nível de criticidade dos estoques”:
“Quando assumimos a gestão, tínhamos apenas oito dias de consumo. Se nada fosse comprado, tudo acabaria nesse período”.
Sobre o ICMS, ele afirma que “a isenção foi sobre a doação. Não é a isenção de nenhum outro ICMS”.
A isenção foi questionada porque a indústria normalmente se credita do ICMS dos insumos que comprou e paga aos cofres públicos na venda do produto, o que não vai acontecer com a isenção cedida por Alckmin.
Além disso, o texto do decreto dá margem para que os efeitos da isenção sejam estendidos por três meses. O coordenador do programa Remédio Rápido acredita que, mesmo com a isenção, o processo foi benéfico para os cofres públicos.
“Recebemos R$ 12 milhões segundo o somatório das notas fiscais dos doadores. Já o governo do estado informa que as isenções totalizaram cerca de R$ 3 milhões˜, afirma Formiga.
Vespoli questiona também o fato de muitos medicamentos chegarem às farmácias com exatos seis meses para o vencimento — após esse prazo, a empresa deve incinerar o material.
“A prefeitura só pode pegar doações com no mínimo seis meses antes de vencer, a manobra deu certinho, como se fosse algo planejado”, considera, ressaltando que a prefeitura se valeu de uma material que seria descartado pela indústria.
Ao classificar a questão da validade dos medicamentos como “polêmica, vazia e fabricada”, Formiga admite que 48% dos remédios doados estavam com vencimento menor de 12 meses.
“Tomamos essa decisão conscientemente, e ela se mostrou acertada e vantajosa para a população”, afirma.
Segundo ele, dos 270 mil comprimidos doados, apenas 28 mil ainda estão em estoque. O primeiro lote expira em 31 de julho e, por hora, a prefeitura não precisou incinerar nada.
Movimento é nacional
Em maio, o deputado federal Jorge Solla (PT-BA) apresentou uma denúncia à Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ministro da Saúde, Ricardo Barros, pela compra de Alfaepoetina e a Ribavirina junto ao laboratório Blau Farmacêutica a um custo 2.000% superior ao da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), vinculada ao Ministério da Saúde (MS), que também fabrica os medicamentos.
O MS adquiriu remédios em caráter emergencial mesmo havendo, segundo ele, 4 milhões de frascos nos estoque da FioCruz.
“Compra emergencial é para quando não se tem o produto. Nesse caso, não só tem estoque como a produção já é feita pelo próprio Ministério da Saúde por meio da Bio-Maguinhos, na fábrica FrioCruz”, avaliou Solla.
Um exemplo é o medicamento Ribavirina: seu preço é R$ 0,17 por unidade quando é comprado na FioCruz, mas custou R$ 5,19 na compra emergencial.
“É um absurdo de improbidade administrativa que essa gestão [de Michel Temer] está fazendo. Estão fechando as farmácias populares, cortando recursos em várias áreas e, por outro lado, esbanjando recursos com compras superfaturadas para o favorecimento de um mesmo laboratório”, acusa Solla.
Em nota, o Ministério de Saúde informou que a medida foi “pontual e temporária” e ocorreu por atraso no fornecimento do produto devido a problemas regulatórios associados à adequação de área física de um fornecedor” e que “o laboratório público já informou que retomará o atendimento a partir de agosto deste ano.”
Sobre a diferença dos preços, o ministério disse que ela ocorre porque “o preço do laboratório público federal é subsidiado pelo Governo Federal e o do laboratório privado reflete o preço de mercado”. Além disso, ressaltou que a compra foi avaliada e aprovada pelo Corregedoria Geral da União (CRG).
Segundo Solla, a PGR não retornou a denúncia do deputado até o momento.
Procurada pela reportagem por telefone e por e-mail, a FioCruz não quis se manifestar sobre o caso.
Edição: Camila Rodrigues