A denúncia de um indígena levou o Ministério do Trabalho e Emprego a descobrir quatro indígenas vivendo em situação análoga ao trabalho escravo, no interior de Caxias do Sul, na última quinta-feira (11). Os quatro homens da etnia kaingang eram mantidos em uma fazenda, para trabalhar na colheita de caqui, em condições precárias de moradia e alimentação, sem carteira assinada e sem receber remuneração pelos dias trabalhados.
Os indígenas são naturais de Cacique Doble e contam que fizeram contato com o empregador através de outro trabalhador. A promessa é de que receberiam R$ 80 por dia de trabalho. Segundo um dos kaingang, eles estavam no local há pouco mais de 20 dias, quando o homem de 20 anos que fez a denúncia ao MTE pediu ao empregador para acertar as contas, que gostaria de voltar para casa. Nenhum deles havia recebido qualquer remuneração pelo trabalho na colheita, até então. O dono da plantação, no entanto, se recusou e ainda teria ameaçado o indígena de morte caso ele fizesse qualquer denúncia.
“Sempre trabalho em colheitas de maçã, cenoura, beterraba, em Vacaria, nunca tinha me acontecido. Sempre pagavam certo”, conta Sidivan Lolo, um dos kaingang encontrados no local. Os trabalhadores voltaram a Cacique Doble ainda na semana passada. “Tem muita gente que vai, todos os anos, para manter a família. A gente fica por um tempo, para pagar as contas, porque a gente tem dívida nos mercados”.
O MTE chegou à localidade na quinta-feira e encontrou os indígenas trabalhando na lavoura. Em seguida, a fiscalização fez uma vistoria pelo alojamento e na documentação dos indígenas empregados no local.
“O alojamento era um lixo, era aquela coisa que tu não deixa cachorro frequentar. Sem higiene nenhuma, sem limpeza, sem roupa de cama. A casa por fora era boa, mas não tinha condições, não tinha cama, o banheiro não tinha água, os indígenas tinham que usar o mato ao redor. O empregador só entregava alguns alimentos, que eles tinham que preparar, segundo eles, em quantidade insuficiente”, diz o gerente regional do MTE, Vanius João de Araújo Corte, que esteve no local no momento do flagrante.
Ele conta ainda que, segundo os indígenas, a jornada de trabalho começava de manhã cedo e seguia até a hora de escurecer. Vanius explica que o tempo em que eles permaneceram no local ainda é incerto. Embora os indígenas afirmem que estavam ali desde o começo de abril, o empregador garante que haviam chegado há 10 dias.
O empregador foi notificado e deverá acertar R$ 9 mil de remuneração e direitos aos indígenas. Como garantia, ele teve de pagar R$ 500 para cada um. O MTE ainda encaminhou uma lista de autos de infração pelas condutas irregulares ao Ministério Público do Trabalho e ao ministério Público Federal, onde ele deve responder a ação judicial também por dano moral coletivo, por submeter pessoas à condição análoga ao trabalho escravo.
A situação dos indígenas chama a atenção por estarem em condição semelhante ao que o deputado federal Nilson Leitão (PSDB/MT) pretende transformar em lei para o trabalho rural. No começo do mês, o parlamentar apresentou o projeto de lei 6442, que pretende regulamentar que o trabalho rural possa ser remunerado com moradia e alimentação, não apenas dinheiro.
“Esse projeto legaliza o trabalho escravo, quer fazer com que isso possa ser uma prática recorrente. No momento que tu admite isso, ela retira todos os direitos do trabalhador rural, afasta aplicação de norma de segurança, passa a tratar o trabalhador como objeto, não como sujeito”, afirma Valnius. “Normalmente, eles são as pessoas que têm menor qualificação, que não têm outras opções, porque se tivessem não se submeteriam. Elas são trazidas de fora, via regra, não têm referência no local, por isso são mais vulneráveis que os demais”.
Além dos kaingang, outras três pessoas não-indígenas estavam empregadas no local. A situação delas, porém, era regular. Segundo o gerente regional do MTE, essa não é a primeira vez que indígenas são flagrados em trabalho escravo na região. Há dois anos, 41 pessoas foram encontradas em outra fazenda, também realizando colheita de frutas, submetidas à situação análoga.
Edição: Sul21