Só o medo pode justificar um aparato policial repressivo como o que presenciamos
Eram muitas grades, o que tornava a circulação na cidade completamente controlada e restrita. Até mesmo os moradores tiveram a movimentação determinada pelas grades. A Praça Tiradentes, em Outro Preto (MG), local da cerimônia oficial, se tornou inacessível às pessoas comuns, sejam turistas, moradores ou manifestantes. Apenas convidados, desde que aplaudissem o palanque.
No trajeto até a cidade, várias barreiras policiais com cavalaria, batalhão de choque, caveirão. Na placa que dava acesso à Praça os dizeres "Bem-Vindos!". Não, nós não éramos bem-vindos.
Historicamente, o dia 21 de abril, em Minas Gerais, é de protestos. Por muitos anos, os servidores públicos levaram à Praça Tiradentes suas palavras de ordem, suas denúncias e pautas. Em 2016, com a presença do ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, levamos o protesto "em defesa da democracia". Deram-nos a fitinha para colocarmos no braço, o que nos autorizava chegar até à Praça. Mas, nossas faixas e bandeiras não puderam entrar. Nossas bolsas foram revistadas e as grades estavam lá. Mas era o Mujica, era a defesa da democracia. Então, fomos.
Em 2017, diante de tantos ataques, tantas "reformas" que estão deformando o Estado Brasileiro e, por completar um ano do golpe de estado que sofremos, ouvimos falar "Minas se levante contra o golpe", num protagonismo inconfidente. Mas não foi o que aconteceu. Em nenhum momento, o governo estadual gastou seu tempo em construir com os movimentos populares um 21 de abril à altura da luta que precisa ser travada em nosso país. O que fez foi colocar mais grades, revistar nossos ônibus, impedindo que muitos chegassem até à cidade e fazendo com que as pessoas fossem obrigadas a longas caminhadas; as bandeiras, faixas e tambores do MST foram tomados dos militantes pela Polícia Militar. O nosso caminhão de som, que organizaria o ato contra as reformas da previdência, trabalhista e terceirização, assim que ligado foi ameaçado de ser rebocado por um tenente da Polícia Militar.
Antes, durante e após o nosso ato, as pessoas foram impedidas de chegarem até à Praça Tiradentes onde acontecia a solenidade oficial. Do lado de fora, ficaram trabalhadores e trabalhadoras em educação, trabalhadores da Copasa e da Cemig, metalúrgicos, servidores públicos, pescadores, agricultores, trabalhadores sem terra, militantes sociais, atingidos por barragens, entre tantas categorias, mídias alternativas como Brasil de Fato e Mídia Ninja. Mas, nós fizemos um dos maiores atos de Ouro Preto com mais de 5 mil pessoas e com as denúncias sobre as reformas, na semana em que a Câmara dos Deputados tinha aprovado a urgência na votação da reforma trabalhista.
A falsa polêmica "Nós X Eles" não cabe para o momento em que estamos vivendo. "Nós" não podemos criticar governos de esquerda, porque isso ajuda "Eles". É uma despolitização da realidade que me recuso a participar. O que vi é a leitura de que aos movimentos populares cabe o papel de coadjuvante numa estratégia que nem sabemos qual é.
Fazer o nosso ato, sem grades e com a nossa pauta, nossas bandeiras, nossas palavras de ordem foi o que melhor poderíamos ter feito para honrar a data. Na nossa praça não tinham grades! E vários lutadores e lutadoras do povo e movimentos foram reconhecidos e homenageados por nós.
Mas, eu ainda me incomodo com uma questão: de quem eles tinham medo? Porque só o medo pode justificar um aparato policial repressivo como o que presenciamos. Como Nelson Mandela se sentiria numa Praça que não pôde receber o povo?
Beatriz Cerqueira é presidenta da CUT/MG e coordenadora-geral do Sind-UTE/MG.
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