Transcrição

Lula diz em interrogatório que seu crime foi “provar que este país pode dar certo”

Ex-presidente focou relações entre Judiciário e imprensa em suas declarações à Justiça

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Por cerca de cinco horas o ex-presidente Lula prestou depoimento à Justiça Federal em Curitiba
Por cerca de cinco horas o ex-presidente Lula prestou depoimento à Justiça Federal em Curitiba - Screen Shot/Vídeo da Justiça Federal

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em seu interrogatório à Justiça Federal em Curitiba (PR), na tarde desta quarta-feira (10), que "este cidadão cometeu o crime de provar que este país pode dar certo", em referência a si mesmo. A declaração foi dada nas considerações finais de Lula, momento em que pode apresentar uma visão mais política do processo em que é réu. O ex-presidente focou sua fala nas relações entre Justiça e imprensa, elemento defendido pelo juiz de primeira instância Sergio Moro em artigos acadêmicos.

Interrompido diversas vezes por Moro, que o questionava em relação à pertinência do tema, Lula foi enfático: "A imprensa é o principal julgador disso!". 

O petista aproveitou para criticar a gravação e os vazamentos ilegais de suas conversas telefônicas, bem como sua condução coercitiva sem intimação prévia. 

Confira abaixo a transcrição das considerações finais: 

Lula: Primeiro, eu gostaria de dizer que estou sendo vítima da maior caçada jurídica que um presidente ou político brasileiro já teve. 

Quando eu fui eleito em 2003, eu tinha um compromisso de fé: eu tinha consciência de que eu não podia errar, porque eu me espelhava no Walesa, da Polônia, que, depois de ter sido sindicalista e presidente da República, quando tentou se reeleger teve apenas 0,5% dos votos. Eu dizia para mim, todo santo dia, que eu não tinha o direito de errar, porque se eu errasse, a classe trabalhadora nunca mais iria eleger alguém do andar de baixo. Presidência da República não foi feita para metalúrgico, para quem não tinha diploma universitário.

Eu, pacientemente, assumi a Presidência quando todos os intelectuais brasileiros, sobretudo os economistas, diziam que o país iria acabar, não se sustenta, não tinha dinheiro para pagar suas importações, devia 30 bilhões ao FMI. Todo final de ano alguém era obrigado a correr o mundo para pegar dinheiro para fazer o fechamento de caixa.

Moro: Senhor presidente, as declarações finais não servem para posições políticas, mas sim as relativas ao processo...

Lula: Dr. Moro, espero que o senhor tenha paciência...

Moro: Não sei quanto vai durar seu pronunciamento final, não é para fazer um apanhado do que você fez no seu governo, não é programa eleitoral...

Lula: É que eu estou sendo julgado pelo que eu fiz no governo. Eu estou sendo julgado pela construção de um Power Point mentiroso, que é ilação pura. Aquilo deve ter sido [feito por] algum cidadão, com todo respeito, que, desconhecendo a política, fez um Power Point porque já tinha uma tese anterior de que o PT era uma organização criminosa, que o Lula, por ser o presidente, era o chefe e que, portanto, o Lula montou o governo para roubar. Essa é a tese do contexto que está colocado. E é uma tese eminentemente política.

Eu sou obrigado a dizer o que foi feito comigo. Eu tenho 71 anos de idade, cinco filhos e oito netos. Nunca ninguém que me acusou considerou que netos meus, com cinco anos, que estão na escola, sofrem bullying todo santo dia por conta de mentiras. 

Nos últimos depoimentos de pessoas que citaram meu nome, quais eram as manchetes no dia seguinte, qual era o tratamento que o Jornal Nacional dava à figura do Lula? Era a de criminalizá-lo. Ou seja, é preciso criminalizar independentemente de, daqui a dois anos, ele provar que é inocente. Então, Dr. Moro, é importante que o senhor saiba: de março de 2014 para cá, são 25 capas na Isto É, criando a imagem de monstro.  Na revista Veja são 19 capas. Na Época, 11 capas. Dentro [das revistas] é demonizando o Lula. Meus acusadores nunca tiveram 10% do respeito que eu tenho por eles.

Moro: Quando o senhor fala acusadores, o senhor fala na imprensa?

Lula: Eu falo dos vazamentos que saem para a imprensa. Porque determinadas coisas são feitas. Eu conheço os vazamentos. É como se o Lula estivesse sendo "procurado vivo ou morto".

Moro: Só para esclarecer, senhor presidente, eu compreendo sua reclamação contra a imprensa. A imprensa tem a liberdade dela, enfim, mas não é a imprensa que faz a acusação neste processo.

Lula: Deixa eu te falar uma coisa, Dr. Moro., eu vou chegar lá, se você tiver um pouco de paciência. Eu sei que você é jovem e jovem tem menos paciência do que velho. 

Eu que disse sobre as revistas, eu vou dizer o que significa a imprensa, os jornais. A Folha de São Paulo, no mesmo período, teve 298 matérias contra o Lula e apenas 40 favoráveis. Todas com informações da Polícia ou do Ministério Público. Eles não assumem [jornais], culpam alguém. O jornal O Globo, "o mais amigo", tem 530 matérias negativas contra o Lula e oito favoráveis. O Estadão, que é "mais amigo ainda", tem 318 matérias contrárias e duas favoráveis. Aliás, nesses jornais, parece que tem gente com mais informações que os advogados de defesa. Tudo passa por eles: antes, durante e depois.

Eu pacientemente venho assistindo. Para se ter uma ideia, só o Jornal Nacional...

Moro: Senhor presidente, realmente, desculpe, eu coloco espaço para considerações finais, mas assim...

Lula: Eu vou chegar no ponto que você deseja, doutor. Só o Jornal Nacional foram 18 horas e 15 minutos nos últimos 12 meses. Sabe o que significam 18 horas falando mal de um cidadão? 12 partidas de futebol entre o Barcelona e Atlético de Madri. 

Moro: Eles não divulgaram sobre os outros?

Lula: Estou falando apenas do Jornal Nacional que é o mais importante, mas eu poderia pegar "Bom Dia, Café", "Bom Dia, Não Sei das Quantas", em todos canais. O objetivo é tentar massacrar este cidadão, que tem que pagar um preço por existir. Este cidadão cometeu o crime de provar que esse país pode dar certo. 

Se alguém tem vergonha da Petrobras, Dr. Moro, eu tenho orgulho! De ter feito a Petrobras ser a empresa extraordinária que foi. Tenho orgulho de a Petrobras deixar de ter três bilhões de investimento por ano para chegar a 30 bilhões. Tenho orgulho! Tenho orgulho da contratação de funcionários. Se dentro da Petrobras teve alguém que roubou, que pague! Mas eu tenho orgulho do que eu tentei fazer, sobretudo depois da descoberta do pré-sal. 

É imperdoável o processo de perseguição. Eu confesso ao senhor que eu esperava que houvesse mais respeito por um homem que deu a este país a dignidade que ele não tinha há muito tempo. Dignidade ao Ministério Público, à Polícia Federal, às instituições de Justiça. Inclusive - junto com o Poder Judiciário, com o presidente da Suprema Corte e o presidente do Superior Tribunal de Justiça - criar alguma coisa para facilitar o funcionamento da Justiça. Todas as leis que nós fizemos nos últimos anos eu tenho orgulho. E não sinto vítima não, tenho orgulho!

Quando eu indiquei ministro para a Suprema Corte, Dr. Moro, eu nunca pedi para votar favorável a mim. Aliás, nunca pedi para ninguém

Moro: Senhor presidente, compreendo suas ponderações a esse respeito, mas realmente foge bastante...

Lula: Não foge, doutor, saber por quê? Esse que é o problema: à medida que foi feito um acordo de que não é possível, na Lava Jato, condenar políticos importantes ou pessoas ricas sem o apoio da imprensa, se adotou a política de primeiro a imprensa criminalizar. Ou seja, as pessoas que são acusadas - e ninguém é atacado 10% do que eu sou atacado. Se juntar o cara do Barusco [ex-gerente de Serviços da Petrobras], que roubou não sei quantos milhões, não aparece 1% da minha cara, que não roubei um centavo.

Eu esperava que o Ministério Público, em uma audiência como essa, na sua presença, trouxesse aqui o direito jurídico de propriedade [do apartamento no Guarujá]. "Está aqui! O senhor Lula não diz que é dele, está aqui o documento! Ele comprou, pagou, tem escritura pronta!". Agora, é "fulano diz, que não sei quem disse". Esse negócio de olhar um prédio e não comprar, doutor, outro dia eu falei para o jornalista Kenedy [Alencar] - certamente o senhor deve ter ido a uma loja com sua mulher comprar sapato.

Moro: Sim.

Lula: E certamente ela escolheu umas trinta caixas, experimentou quarenta, foi embora e o vendedor deve ter ficado muito nervoso, mas ela não comprou. O que eu quero é que se pare com ilações e que me diga qual é o crime que eu cometi. O crime não é conversar com alguém na agenda. O crime não é ter ido ver tríplex. O crime, doutor, eu cometi se eu comprei o apartamento, se tem documento, se me deram a chave, se eu dormi lá alguma vez, se tem uma escritura.

Como alguém pode imaginar em sã consciência, Dr. Moro, que um cidadão compra um apartamento que vale dez e depois declarou no Imposto de Renda cinco anos seguidos e depois aparece um apartamento que vale vinte sem nenhuma explicação?

Moro: Mas, senhor vice-presidente [sic], a questão posta pelo Ministério Público na denúncia - evidentemente o senhor tem oportunidade de se defender - afirma que teria havido corrupção e lavagem [de dinheiro] com ocultação de patrimônio...

Advogado: Pela ordem, excelência, a lei assegura o momento do interrogando falar o que ele tem em sua autodefesa.

Lula: Eles têm que provar. Não basta alguém levantar uma tese e uma pessoas ser processada. Essa pessoa ser massacrada ser massacrada nos meios de comunicação.

Eu quero dizer ao senhor que sou um homem que foi presidente oito anos. Respeitei as leis como nenhum presidente respeitou. Fiz novas leis como nenhum fez. Batalhei para que se acabasse com a corrupção junto com os ministros Marcio Thomaz Bastos e Tarso Genro. E participarei de todas as audiências, porque, se tem um brasileiro que deseja contar a verdade, sou eu. 

O que eu gostaria, e é uma coisa que me magoa profundamente, é que o cidadão passasse matéria para imprensa depois do acusado ser julgado. "Ele roubou mesmo e foi condenado". O senhor acompanha quantas matérias de jornal que já me condenaram, quantos páginas de jornal não têm nenhum respeito a nenhum familiar meu.

Moro: Mas aí nós estamos novamente na questão da imprensa.

Lula: A imprensa é o principal julgador disso! Veja, eu sei que o senhor vai dar a versão final como juiz. Mas se não fosse o Lula ser o que ele é, ter a relação com o Brasil que ele tem, nenhum cidadão aguentaria 10% do que eu estou aguentando. É só assistir o Jornal Nacional hoje que o senhor vai ver. 

O que eu quero é que se tenha respeito. Se eu cometi um crime, prove que eu cometi, apresente à sociedade e o Lula será punido como qualquer cidadão que errou é punido: um juiz, um presidente, um desembargador, todo mundo é punido. Mas pelo amor de Deus, apresentem uma prova! Apresentem!

Eu tenho um amigo que é um metalúrgico - se o senhor conhecer vai gostar - que tem a seguinte filosofia: o importante é o principal, o resto é secundário. Então, por favor, contra mim vamos utilizar o principal. O Ministério Público tem algum documento que mostra que eu comprei o apartamento, alguma escritura? Foram em alguma imobiliária? Mostrem! Meu problema não são os adversários, meu problema é que eu tenho um neto de quatro anos que me pergunta. Se vocês não têm respeito pelos meus, tenham pelo de vocês. Não vazem o tanto que vocês vazam para a imprensa!

Moro: Certo... Senhor presidente eu vou interromper suas declarações finais, porque o senhor está...

Lula: Eu estou falando hoje em dois minutos, Dr. Moro, o que falam de mim há dois anos.

Moro: Senhor presidente, tem uma acusação, essa acusação é pública, pela Constituição e pelas leis, não tem como manter sigilo sobre ela. Não existe vazamento em relação a essas ações penais. Essa ação é publica.

Lula: O que tem é vazamento proposital! Tem alguns jornalistas que eu não vou citar o nome para valorizar, que sabem o que vai acontecer um dia antes! Eu poderia citar o Fausto [Macedo], do Estadão; a revista Veja. Os meus advogados precisam vir aqui implorar para saber. Há um interesse de vazar, Dr. Moro, porque esse julgamento tem que ser pela imprensa, se não, é difícil.

Vou terminar. Qual é o problema, Dr. Moro? É que essa situação está difícil. Vou dizer uma coisa para ficar com a consciência leve. O comprometimento da Justiça e da acusação com a imprensa, está levando a um impasse, porque alguns canais de televisão e alguns jornais se fizeram disso sua principal peça de notícia. Eles estão com dificuldade: "Como é que isso vai acabar, se esse tal de Lula for inocente? Como vamos prestar contas ao nosso telespectador, ao nossos ouvintes, se ele não cometeu o crime que disseram que ele cometeu?". Esse é problema da mentira: depois não tem como voltar atrás. 

Moro: É essa a finalização?

Lula: Eu só queria pedir aos meus acusadores, que levem em conta que vocês são muito jovens e têm muito tempo pela vida. O Ministério Público, uma instituição que ninguém respeita como eu, não foi feito para isso. A acusação tem que ser fundamentada. Ela não pode ser especulativa.

Hoje, a acusação é muito mais feita pelas capas de jornais, de revistas, pela imprensa, do que os dados concretos das perguntas que vocês me fizeram. Sinceramente, pelas perguntas que me fizeram, o Dr. Moro não deveria nem ter recebido essa acusação. 

De qualquer forma sou apenas um, sou um cidadão. Estou subordinado à Justiça, à lei e à Constituição. Virei aqui, Dr. Moro, todas as vezes que forem necessárias, só espero que dê respeito a esse país, ao povo brasileiro e não contem nunca uma mentira a meu respeito. Muito obrigado.

Moro: O processo será julgado com base na lei e exclusivamente nas provas. O senhor foi tratado com máximo respeito. Serão levadas em consideração essas declarações. Essas reclamações sobre a imprensa... Mas esse realmente não é o foro próprio para reclamar do tratamento da imprensa. O juízo não tem nenhuma relação com o que a imprensa publica ou não. 

Lula: O senhor, sem querer, talvez, entrou no processo. O vazamento de conversas com minha mulher, e dela com meus filhos, foi o senhor quem autorizou. Minha casa não deveria ter siso molestada sem que eu tivesse sido intimado para uma audiência. Ninguém nunca me convidou, de repente, vejo um pelotão da Polícia Federal. Quando eu saí, levantaram até o colchão da minha casa achando que eu tinha dinheiro. Eu espero que essa nação nunca abdique de acreditar na Justiça. Agora queria lhe avisar uma coisa: esses mesmos que me atacam hoje, se tiverem sinais de que serei absolvido... Prepara-se, porque os ataques ao senhor serão muito mais fortes, do que aqueles que eles fazem a ministros da Suprema Corte que não pensam como a imprensa brasileira.

Moro: Infelizmente já sou atacado por muita gente, inclusive por blogs que supostamente patrocinam o senhor. Padeço dos mesmos males que o senhor, em certa medida. Entretanto, vou encerrar aqui essas declarações, mas lhe asseguro que será julgado com base nas leis e nas provas do processo. Fique seguro quanto a isso.

Lula: Assim espero, Dr.

Edição: Vivian Fernandes