Nem bem o dia amanhecia e cerca de 1500 trabalhadores rurais sem-terra se concentravam à beira da BR 277, no sentido Curitiba - Campo Largo. No local está um monumento projetado por Oscar Niemeyer em homenagem a Antônio Tavares Pereira, sem-terra assassinado pela Polícia Militar há 17 anos, durante o governo Jaime Lerner.
O ato, que durou entre 6h30 às 10h30, foi em memória da morte do sem-terra e contra a impunidade em relação aos atuais presos políticos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - sete militantes estão presos sem julgamento. A ação também marcou o início da Jornada pela Democracia, realizada em Curitiba nesta terça-feira e quarta-feira (9 e 10), contra a criminalização e arbitrariedade do Estado com os movimentos sociais e em solidariedade ao ex-presidente Lula, que estará na capital para prestar depoimento no âmbito da operação Lava Jato.
Ao final do ato, uma revista da Polícia Rodoviária Federal (PRF) atrasou em cerca de duas horas o deslocamento de cerca de 20 ônibus que levavam os agricultores para acampamento da Jornada pela Democracia, localizado no Centro da capital paranaense. Através da assessoria, a PRF informou que a ação foi de praxe, principalmente para quando há bastante circulação de pessoas, relacionada a fiscalização dos ônibus e das bagagens. Objetos de trabalho dos agricultores como enxadas foram confiscados: “Entendemos que em um momento de grande aglomeração como o de agora podem ser utensílios inapropriados”, afirmaram.
Em nota, a Frente Brasil Popular informou que apenas uma enxada e uma faca de cozinha fazem parte dos itens encontrados na revista realizada nos ônibus. São itens necessários às cozinhas instaladas para alimentação. "Reafirmamos novamente o caráter pacífico e organizado da vinda de movimentos sociais a Curitiba – tanto que as caravanas se dispuseram integralmente à revista, que atrasou em cerca de duas horas as atividades na capital. As atividades culturais e políticas do primeiro dia do Acampamento pela Democracia comprovam o caráter pacífico e organizado do evento", apontou o documento.
História que se repete
Antônio Tavares Pereira foi morto quando se dirigia à capital paranaense, junto de aproximadamente mil integrantes do MST, para manifestações pelo Dia dos Trabalhadores, em 2 maio do ano 2000. O crime ocorreu quando a Polícia Militar impediu que um comboio de 50 ônibus vindos do interior entrassem em Curitiba pela BR 277, deixando ainda mais 185 trabalhadores feridos.
“Na ocasião, fomos fortemente agredidos pela ação truculenta da polícia militar a mando do então governador Jaime Lerner, muito parecido com o que acontece hoje com o interdito proibitório de acampar em praças e locais públicos em Curitiba”, enfatiza José Damasceno da coordenação estadual do MST, assentado em Arapongas.
A situação com Tavares reflete outros tantos casos pelo Brasil em que a Polícia Militar e as forças do Estado tentam impedir com que os trabalhadores se manifestem e lutem por direitos:
“O massacre continua e os conflitos no campo têm aumentado muito depois do golpe contra a democracia. Temos dezenas de agricultores sem terra, assim como os indígenas, sendo despejados, perseguidos e assassinados pelas milícias armadas no Mato Grosso, Paraná, Minas Gerais, Alagoas, Maranhão, Rio Grande do Sul, Rondônia, entre outros. Esse momento é muito importante porque é místico, das nossas cicatrizes fazemos força pra lutar”, afirma Salete de Fátima Pires, integrante da direção estadual do MST.
“É o mesmo que acontece também em Quedas do Iguaçu, interior do Paraná, onde existem sete integrantes do MST detidos injustamente simplesmente por lutarem por justiça e pela reforma agrária”, lembra Fernando Prioste, advogado da Terra de Direitos.
Solidariedade à Lula
A Jornada pela Democracia conta com a presença de milhares de trabalhadores de todo o Brasil que chegam a Curitiba para a agenda de atividades. As caravanas auto-organizadas estão se instalando próximo a Rodoferroviária da cidade.
“Essa decisão política construída de forma unitária com todos os setores representa um passo importante nas possibilidades que se abrem na conjuntura brasileira. É um posicionamento político na altura do processo para construir mais força, mais aliados, ampliar o diálogo com a sociedade, esclarecer as comunidades para que se possa compreender o que está em jogo”, explica Roberto Baggio, coordenador do MST.
Edição: Ednubia Ghisi