Em um prédio abandonado no centro de São Paulo, famílias sem teto e movimentos populares organizam a limpeza, consertam a distribuição de água e energia elétrica para transformar o espaço em moradia. É assim que tem início o filme “Era o hotel Cambrigde” mas também poderia ser a história real dos movimentos de ocupação urbana nas grandes cidades brasileiras.
Mesmo assim o filme, dirigido pela cineasta Eliane Caffé, não é um documentário, mas uma ficção inspirada nessas histórias. Premiado na Espanha e também no Festival do Rio, “Era o Hotel Cambridge” fala do cotidiano das ocupações que acontecem em São Paulo.
A principal inspiração do filme foi a Ocupação Hotel Cambridge, no centro da cidade, construída por 178 famílias com organização da Frente de Luta por Moradia (FLM), no final de 2012. Além de famílias sem teto brasileiras, a ocupação também é formada por refugiados. Em uma das cenas do filme, um senhor palestino fala que da mesma forma que os estrangeiros se tornaram refugiados do mundo, sem querer, os brasileiros sem teto vivem na mesma situação em seu país.
“O filme fala sobre essa realidade de São Paulo, que reúne várias culturas e etnias. Mas principalmente trata dos mais de 6 milhões de sem teto no Brasil, que mesmo tendo a moradia assegurada pela Constituição, não têm uma casa para morar. O povo que constrói as cidades e que não faz parte delas”, afirma Ângela Morais, liderança da Ocupação Quilombo das Guerreiras, no centro do Rio de Janeiro, durante um debate após exibição do filme, no último domingo (7). A atividade foi organizada pela Central de Movimentos Populares (CMP).
Para Hugo Parra, morador da Ocupação Vito Gianotti, também no Rio, o filme mostra a luta pelo direito à cidade. “Sou de Santiago, no Chile, mas foi aqui no Brasil que me sinto construindo meu espaço e minha cidade. Sou imigrante mas estou na mesma luta dos brasileiros. Somos todos sem teto juntos”, afirmou, completando que se sentiu representado no filme, assim como muitos outros moradores de ocupação que estavam na exibição.
O filme não mostra, mas a Ocupação Hotel Cambrigde se tornou um exemplo para os outros movimentos porque teve um final vitorioso. Ao longo dos anos, o movimento conseguiu evitar os despejos e investiu nas negociações para que o prédio fosse transformado em moradia popular. Em 2015, as famílias conseguiram verbas do programa “Minha Casa, Minha Vida” para financiar as obras.
“Depois do filme, tivemos mais visibilidade e conseguimos cursos de línguas, biblioteca, sala de computadores, oficinas. Estamos mostrando nossa luta. Nós não queremos nada de ninguém e sim o que é nosso por direito”, explica Preta Ferreira, moradora da Ocupação Hotel Cambrigde, que também atuou como atriz no filme.
Além dos moradores, atores conhecidos também fazem parte do elenco. Entre eles, José Dumont, o Zé Pirangueiro da novela “Velho Chico” e Deraldo do filme “Homem que virou suco”.
“O cara que paga aluguel não aceita esse filme e nem esses movimentos. Eles pensam que é um bando de pessoas que não têm nada para fazer. Estão muito enganados. São trabalhadores, estudantes, famílias. São pessoas organizadas, muito mais que o Brasil. O país mais desenvolvido que já conheci foi a Ocupação Hotel Cambrigde”, afirmou o ator que participou do debate no Rio.
Edição: Vivian Virissimo