É quase sempre um festival de mesmice: comprar uma casa, ajudar parentes
Você está desempregado? Se não está, com certeza algum parente ou amigo está a perigo, procurando emprego.
Alguns só veem um jeito de sair da pindaíba: ganhar na loteria. Mas e dinheiro pra jogar?
Bom... Deixa-se de comprar o leite das crianças, como se diz, para arriscar a sorte.
De vez em quando vejo pessoas falando sobre o que fariam se ganhassem uma boa grana na loteria.
É quase sempre um festival de mesmice: comprar uma casa, ajudar parentes... E tem também uma resposta natural do nosso tempo de culto ao automóvel: comprar um carro para o filho. Poucos falam em aproveitar a vida, viajar.
Para as pessoas mais novas, parece que essas loterias todas sempre existiram, mas não era assim. Só existiam a loteria federal e algumas estaduais, que davam prêmios fixos, não tão grandes como os de hoje. Aí apareceu a loteria esportiva, pioneira na jogatina desvairada atual.
Algumas pessoas ganharam prêmios acumulados, uma grana e tanto, e isso estimulava as pessoas a jogarem mais.
E as pessoas sonhavam com o que fariam se ganhassem. Uma noite, tomando cerveja com amigos, surgiu o assunto besta e recorrente: o que você faria se ganhasse sozinho na loteria esportiva?
Uns faziam elucubrações mirabolantes; outros falavam de projetos grandiosos, afinal todos nós vivíamos apertados. Aí chegou a vez do Heitor contar o que faria com o prêmio. Casado com a Teresa, todo certinho, ele começou:
— Primeira coisa: compraria um apartamento em Perdizes.
Provocou indignação:
— Ô, classe média!
— Segunda coisa: compraria um carro zero quilômetro.
De novo, ouviu vaias e gritos de “Ô, classe média”.
— Terceira coisa: compraria uma butique numa galeria da rua Augusta, que desse renda líquida equivalente a uns dois mil dólares por mês.
Um detalhe aí: naquele tempo não tinha shoppings, o lugar de compras de gente metida a besta eram as galerias da rua Augusta.
Bom, depois de falar da compra da butique e levar vaia mais uma vez, ele respirou fundo e falou:
— Então dava tudo isso pra Teresa e me mandava pra cair na gandaia.
— Eeeebbbbaaaa! — enfim foi aplaudido com entusiasmo.
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