“Terra é liberdade. Não há como ser livre sem terra. Democracia só existe se a gente tiver território”, diz o agricultor Joelson Ferreira, do Assentamento Terravista, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “O território hoje assume o papel de partido. É ali que se tece a unidade”, completa, mais tarde, o advogado Felipe Estrela, do Mutirão dos Territórios do Baixo Sul.
A V Jornada de Agroecologia da Bahia, realizada na Arena Boca da Barra, em Porto Seguro, começou na última quinta-feira (20) lançando uma discussão densa sobre as relações entre a organização dos movimentos de luta pela terra e o desafio de construir novas formas de organização política, contornando a atual crise em que se encontra a democracia no mundo.
Os debates reforçam a novidade do modelo da teia, que congrega mais de 30 diferentes movimentos da região sul da Bahia, incluindo diferentes povos indígenas, quilombolas, comunidades de terreiro, pescadores, extrativistas, além de trabalhadores rurais assentados, acampados, estudantes, educadores, mestres etc. “O modelo dos partidos de esquerda e movimentos tradicionais não é mais viável para nós. Um ciclo se fechou”, diz Maria José, outra ativista da Teia.
O encontro dos diferentes povos que compõem a Teia, de fato, não se restringe ao conteúdo dos eventos. Como numa assembleia em uma aldeia indígena ou numa comunidade quilombola, todos os dias os trabalhos são abertos com pajés indígenas e sacerdotes dos cultos afro da região que realizam rituais para convocar os Encantados e abençoar a reunião.
Nesta sexta-feira (21) pela manhã, a discussão era sobre o conceito andino de bem viver e sua aplicação prática nas lutas dos povos. Temas como os direitos de rios, montanhas e florestas estavam em pauta, lado a lado com as dificuldades dos movimentos diante da atual conjuntura política e o avanço de grupos conservadores ligados ao agronegócio ou a algumas igrejas evangélicas. Na parte da tarde, as centenas de participantes, vindos de dezenas de comunidades de todo o sul da Bahia e também de outros estados, se espalham por oficinas ligadas a saberes da agroecologia, além de discussões políticas e atividades culturais.
É a primeira vez que o evento acontece fora do Assentamento Terravista, em Arataca (BA), lugar onde o plantio de cacau no regime agroecológico serve de modelo para as comunidades da região. Além de difundir essa nova forma de cacauicultura – a fim de superar as armadilhas que levaram a lavoura a uma crise generalizada nos anos 1990, com a difusão do fungo conhecido como vassoura-de-bruxa – a Teia dos Povos, criada em 2012, a partir das Jornadas, passou a realizar uma série de outras atividades em conjunto, como mutirões de plantio e feiras de troca de sementes.
O motivo de fazer o evento em Porto Seguro foi o simbolismo, como explica Haroldo Heleno, do Conselho Indigenista Missionário. “Nós queremos afirmar que isso aqui não é Costa do Descobrimento coisa nenhuma, isso aqui é terra indígena, essa terra tinha e tem dono”. A V Jornada acontece no mesmo ambiente onde são disputados os Jogos Pataxó. A olimpíada indígena local reúne centenas de representantes das mais de 30 aldeias da região.
A V Jornada de Agroecologia da Bahia prossegue até domingo (23), incluindo apresentações culturais, debates, oficinas e uma feira de produtos agroecológicos das comunidades participantes da Teia dos Povos.
Edição: Vanessa Martina Silva