Esta semana, o país relembra um ano da votação que deu início ao processo de impeachment de Dilma Rousseff. No dia 17 de abril de 2016, um domingo, uma sessão extraordinária da Câmara dos Deputados, que durou quase 10 horas, parou o Brasil neste que já é considerado o acontecimento mais trágico da história recente do país. O Observatório Político da América Latina e do Caribe (OPALC), ligado ao Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), em seu relatório anual publicado em janeiro, classificou o afastamento de Dilma como “uma grave deterioração da democracia brasileira”.
A percepção de que houve um golpe parlamentar para tirar do poder uma presidenta democraticamente eleita foi majoritária na mídia internacional e até entre governos – que mantiveram distanciamento do agora presidente golpista, Michel Temer, desde então. Uma conclusão marcante foi a do linguista e ensaísta norte-americano Noam Chomsky, professor do Massaschussets Institute of Technology (MIT). Em uma entrevista de televisão concedida ainda no ano passado, ele cravou: “Uma líder política que não roubou para enriquecer a si mesma sendo acusada por uma gangue de corruptos, que fizeram isso (roubaram para enriquecer) é uma espécie de golpe brando”.
Dia da vergonha
Chomsky se referia ao perfil dos algozes de Dilma no Congresso. No dia 17 de abril do ano passado, dos 367 deputados que votaram a favor do prosseguimento do impeachment, 119 respondem por crimes na Justiça comum ou eleitoral ou estão envolvidos em suspeitas. Pela primeira vez, no entanto, aquela sessão de votação permitiu à maioria da população brasileira, que assistia pela televisão aberta, conhecer o nível dos seus parlamentares. Quase nenhum, ao justificar seu voto pelo impeachment, citou o suposto crime de responsabilidade cometido por Dilma. A maioria resolveu homenagear filhos, esposas, maridos, Deus e até figuras da ditadura militar.
Um dos casos mais constrangedores foi a declaração de voto da deputada federal Raquel Muniz (PSD-MG). Ela dedicou em seu voto o marido e ex-prefeito de Montes Claros (MG), Ruy Muniz (PSB). Ele foi preso algumas horas depois da votação, em Brasília (DF), em uma operação da Polícia Federal, acusado de ter deixado de investir verbas federais para saúde e ter reduzido o número de leitos no SUS para favorecer hospital privado de propriedade da família. Ele acabou sendo afastado de forma definitiva da Prefeitura. “Foi um patético episódio ter deputados votando ‘contra a corrupção’ e, passado um tempo, o governo atual está atolado em processos, ministros caíram e alguns dos parlamentares hoje estão presos”, lamenta Raimundo Bonfim, um dos coordenadores da Frente Brasil Popular (FBP).
Outro deputado, Eduardo da Fonte (PP-PE), quis que o filho, que o acompanhava na tribuna, fizesse a declaração de voto. Teve que ser repelido pelo presidente da Câmara na época, Eduardo Cunha (PMDB). Cunha que, meses depois do impeachment, acabou tendo o mandato cassado e sendo preso pela operação Lava Jato. Atualmente, está condenado a mais de 19 anos de prisão e ainda responde a vários outros processos judiciais. Cunha foi o grande responsável e articulador do impeachment, ao aceitar o pedido de afastamento de Dilma baseado nas chamadas pedaladas fiscais, manobras contábeis de orçamento, praticadas por todos os governos anteriores, mas que serviu de justificativa para tirar a primeira mulher eleita presidente do Brasil.
O deputado Beto Mansur (PRB-SP), que também votou contra Dilma, era, em 2016, o campeão em número de processos judiciais: 47. Entre as acusações a que responde até hoje na Justiça, está a de manter trabalhadores em condições análogas à escravidão em uma de suas fazendas. Já o deputado Wladimir Costa (SD-PA), que estourou confetes quando disse sim ao impeachment, teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Pará e foi o deputado que mais faltou às sessões obrigatórias da Câmara no primeiro semestre do ano passado: 19 de 54, sem justificativa.
O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) também ficou marcado na votação do impeachment ao homenagear o torturador e coronel do Exército brasileiro Carlos Alberto Brilhante Ustra, que coordenou um dos órgãos de repressão da ditadura militar e foi responsável pela tortura e morte de centenas de militantes políticos contrários ao regime autoritário que governou o Brasil por 21 anos. Bolsonaro também já respondeu a processo por incitação ao estupro, após proferir ofensas contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS).
Crise sem fim
Vendido como a tábua de salvação do Brasil, o impeachment de Dilma, que na época tinha apenas 10% de aprovação popular, não tirou o Brasil da crise econômica. Além disso, esse processo tumultuou ainda mais o ambiente político, contaminado pelas delações premiadas de empreiteiras como a Odebrecht e o surgimento de denúncias graves envolvendo políticos da base do governo Temer.
O próprio Michel Temer, que assumiu o governo sem ser eleito para o cargo de presidente, ostenta níveis de aprovação ainda piores do que o de Dilma. Segundo a recente pesquisa Vox Populi/CUT, apenas 5% da população apoia o governo; esse índice era de 8% há cerca de três meses.
A delação de executivos na Odebrecht também colocou a mira sob nove ministros de Temer. Isso porque, no ano passado, outros seis ministros já haviam pedido demissão por conta de escândalos de corrupção. Entre os 29 senadores e 42 deputados federais citados pela Odebrecht, a maioria pertence à base do governo, principalmente políticos do PMDB e do PSDB.
Os números da economia pioraram em um ano. A taxa de desemprego atinge 13,2% da população, segundo dados de fevereiro divulgados pelo IBGE. Esse percentual representa 13,5 milhões de pessoas que não conseguiram trabalho. O total de desempregados é 1,4 milhão maior que o verificado no trimestre anterior e 3,2 milhões superior ao mesmo trimestre de 2016. O crescimento da economia também foi descartado e as contas públicas fecharão em déficit por pelo menos mais dois anos.
Direitos ameaçados
Em meio às crises política e econômica, o governo Temer tenta impor uma reforma da Previdência que cria regras extremamente rígidas para a aposentadoria da maioria da população, com o estabelecimento de idades mínimas de 65 e 62 anos para homens e mulheres, respectivamente, combinada com uma exigência de tempo de contribuição que pode chegar aos 49 anos. Enquanto isso, a sonegação de impostos no setor previdenciário ultrapassa os R$ 400 bilhões, recursos que o governo não tem feito esforço para sobrar dos devedores.
Outra tentativa de mudança em andamento é a reforma trabalhista. A medida mexe em direitos básicos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pretende flexibilizar salários, jornada diária e férias dos trabalhadores, ao dar prioridade ao negociado entre patrão e empregado do que as regras previstas em lei.
*Com informações da Rede Brasil Atual (RBA).
Edição: Vivian Fernandes