A Prefeitura do município de São Paulo, contrariando orientação de sua Secretaria de Direitos Humanos e do Ministério Público, deixou de vetar Projeto de Lei que acrescenta o nome do ex-senador Romeu Tuma, morto em 2010, à Ponte das Bandeiras, localizada na região norte da cidade.
A gestão municipal, sob o comando de João Doria (PSDB), havia se manifestado no sentido de vetar o projeto, mas voltou atrás. Após o prazo legal para a manifestação da Prefeitura ter vencido, o presidente da Câmara dos Vereadores, Milton Leite (DEM), promulgou a mudança na terça-feira (18). O projeto é do vereador Eduardo Tuma (PSDB), sobrinho de Romeu.
A Secretaria de Direitos Humanos e o Ministério Público se opuseram ao projeto por entender que ele contraria o decreto municipal que impede a nomeação de logradouros públicos em homenagem a pessoas ligadas à violação de direitos humanos. Tuma foi diretor do Departamento Estadual de Ordem Política e Social durante a Ditadura Militar brasileira.
Inflexão
Entidades e ativistas de direitos humanos pressionaram a Prefeitura para que vetasse o Projeto de Lei. Renan Quinalha, advogado e ex-assessor da Comissão Estadual da Verdade, diz que a mudança de nome da Ponte rompe com uma série de medidas que vinham sendo tomadas para fortalecer a democracia.
Ele explica que a principal contribuição da vedação de homenagear indivíduos ligados à Ditadura é "é capilarizar, territorializar o debate do direito à memória e à verdade na própria estrutura da cidade, fazendo as pessoas refletirem. A cidade foi palco de uma série de episódios de resistência política e repressão. A pessoa se dá conta de que vivia em uma rua batizada em homenagem a um violador de direitos humanos. Isso fortalece a democracia".
Com relação a Tuma, o advogado conta que “a partir de 1969, ele [Romeu Tuma] começa a trabalhar com Fleury no Dops. Depois de 75, ele passa a comandar. Ele dizia que nunca soube de casos de tortura, mas há vários relatos de presos políticos de que ele frequentava o Doi-Codi, o maior centro de tortura no país durante a Operação Bandeirantes. Esses testemunhos apontam que ele não era um mero funcionário, mas um delegado que tomou parte na repressão política”.
Neste sentido, Quinalha concorda que o projeto viola o decreto municipal e representa “um retrocesso em relação a todas medidas vêm sendo tomadas pelo menos desde o governo Fernando Henrique Cardoso no sentido de promover diversas medidas de reparação em relação à Ditadura".
“A terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos previa a questão dos logradouros públicos. Isso se refletiu em uma recomendação expressa da Comissão Nacional da Verdade dizendo que todos níveis de governo precisavam pensar medidas para retirar homenagens a agentes da ditadura. É um retrocesso também em relação à gestão municipal anterior, de Fernando Haddad, que estava promovendo o programa Ruas da Memória, que dava concretude a estas recomendações”, pontua ele.
Carla Borges, coordenadora da Coordenação de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos Humanos durante a gestão Haddad se diz “consternada” com a mudança.
“É um ato simbólico e como toda homenagem reforça valores. Diz respeito a quais pessoas os políticos querem afirmar como referências paras os cidadãos, que não necessariamente viveram aquele período histórico. É uma afronta direta às vítimas e seus familiares, que até hoje pedem justiça", critica. "Além de nunca terem visto seus algozes terem sido punidos, as pessoas ainda têm que se deparar com esses nomes estampando ruas da cidade", complementa a ex-coordenadora.
A questão da memória, de acordo com ela, transcende o respeito às vítimas da repressão: "O direito à memória e à verdade diz respeito a toda sociedade, para que as mesmas arbitrariedades não voltem a acontecer".
“Um exemplo é o Minhocão: o nome foi alterado de Artur da Costa e Silva para Presidente João Goulart, deixando claro quais valores pautavam administração e que a cidade deve se basear em valores democráticos, o que parece ser o contrário da gestão Doria".
Ela diz que as tentativas de diminuir o número de homenagens a pessoas ligadas à repressão agora é interrompida. “O poder Executivo teve mais de uma oportunidade, mas se esquivou de sua responsabilidade. A Secretaria de Direitos Humanos sai desmoralizada deste processo", lamenta.
A reportagem entrou em contato via e-mail com a Câmara dos Vereadores, a Prefeitura e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos na terça-feira (18), mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Eduardo Tuma afirma em nota que "nunca houve qualquer acusação específica de violação de direitos humanos contra o Delegado de Polícia Romeu Tuma; pelo contrário, o Senador Tuma sempre foi elogiado como garantista pelos advogados dos presos políticos. O simples fato de o Senador Tuma ter sido diretor do DOPS, de janeiro de 77 até fevereiro de 83, sem acusação de fato individualizado, não pode lhe atribuir a pecha de violador dos direitos humanos".
Edição: Vanessa Martina Silva