As costumeiras críticas ao governo bolivariano da Venezuela ganharam um novo componente na última semana, após a ação da Justiça do país que tomou para si as atribuições da Assembleia Nacional. A imprensa brasileira acusou, em coro, o presidente Nicolás Maduro de estar dando um golpe. Mas, de acordo com a Articulação dos movimentos populares hacia ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América) – Brasil, quem de fato está dando um golpe no país é a oposição: “ é mais uma tentativa de golpe por parte da direita venezuelana via Parlamento e a grande mídia continental”.
Em nota divulgada com o objetivo de esclarecer os movimentos populares brasileiros, a Alba-Brasil lista sete pontos-chaves para entender o que está acontecendo no país bolivariano, desde as tentativas de desestabilização da oposição via guerra econômica, passando pela queda no preço dos petróleos até o desacato da Assembleia Nacional que se nega a cumprir uma decisão da Justiça e a votar temas que são relevantes para o país.
Confira a íntegra da nota:
1.O que de fato está acontecendo na Venezuela?
Essa é a primeira pergunta que todos nós, que desejamos e lutamos por um América Latina livre e soberana devíamos fazer antes de reproduzir notícias falsas fabricadas nas Redações da mesma mídia golpista que derrubou o governo eleito democraticamente no Brasil.
A morte de Hugo Chávez, a crise internacional capitalista e a queda no preço do petróleo, fizeram com que a complexa situação econômica da Venezuela entrasse em um novo patamar de dificuldades. A direita venezuelana colocou em marcha uma nova estratégia para derrubada do governo, pois a tentativa fracassada de golpe clássico em 2002 – uso de setores das forças armadas e sequestro do presidente – lhe impôs uma década de derrotas. A atual estratégia é a mesmo aplicada no Paraguai em 2012 e no Brasil em 2016, porém com intensidade correspondente ao conflito do país: utilizar as vias legais para dar o verniz democrático ao golpe parlamentar. E a tática para chegar a esse objetivo se parece mais ao que a CIA fez contra o governo Allende em 1973 no Chile: guerra econômica, inflação provocada e estoque de produtos de impacto psicossocial.
2. A crise econômica internacional — que provocou a queda brutal nos preços do barril de petróleo (de 125 dólares em 2012 para os atuais 50 dólares) — impôs à Venezuela, quarta maior produtora de petróleo do mundo, mudanças econômicas profundas. Assim como a maior parte dos países do mundo, ela viu sua economia perder recursos e, com isso, seus programas e medidas que beneficiavam o povo passaram a enfrentar grandes dificuldades. Some-se ao contexto macroeconômico adverso, de uma economia ainda totalmente dependente do petróleo e do abastecimento do exterior — que não houve tempo histórico suficiente para industrializar a economia do país e gerar empregos na produção.
Essas dificuldades foram muito bem utilizadas pela burguesia sempre na oposição — e ainda acrescentaram a especulação permanente com a moeda do dólar. Através da manipulação da taxa de câmbio no paralelo e usando as divisas fornecidas pelo próprio governo, a burguesia compradora induziu taxas incontroláveis da inflação em bolívares (moeda local). Por outro lado, organizou uma guerra comercial ao controlar e esconder produtos de consumo de massa, que tem forte impacto psicossocial como: esconder papel higiênico, pasta de dente, óleo de cozinha, ou farinha de trigo para pão salgado, que tem preço controlado, etc. Esperavam com isso criar uma situação de ingovernabilidade e o caos através da guerra econômica que pudesse desmoralizar o governo Maduro e levar a novas eleições.
Neste contexto, obtiveram a primeira vitória eleitoral ao eleger a maioria no Parlamento nas eleições de 2015.
3. De lá para cá, praticamente todas a medidas de recuperação econômica enviadas pelo poder executivo ao congresso foram automaticamente rejeitadas e, assim, aprofundam e atrasam qualquer possibilidade de recuperação da economia, gerando enormes sacrifícios ao povo venezuelano. A escalada do conflito obrigou então o governo a adotar uma série de medidas legais para continuar governando o país mesmo com a declarada sabotagem do Parlamento.
Porém, na disputa política com as massas e na tentativa de derrotar o governo Maduro, a oposição burguesa não teve sucesso. Primeiro estão divididos entre eles. Os setores de direita mais radicais querem aumentar os conflitos para inviabilizar o governo. E os setores mais moderados, liderados por Capriles, querem desgastar o governo para colher os votos em 2019, dando maior legitimidade ao novo governo e esperando que o petróleo até lá se recupere.
Segundo: Manipularam grosseiramente as assinaturas para convocar um referendum, e isso os desmoralizou.
Terceiro: não conseguiram dar seriedade e fazer funcionar a assembleia legislativa. Tinham três deputados eleitos fraudulentamente e suas disputas internas inviabilizaram o funcionamento da assembleia durante todo ano.
E quarto, a denúncia de propina da empresa brasileira Odebrecht para o principal líder oposicionista, senhor Capriles, que recebeu cinco milhões, os deixaram envergonhados perante a opinião pública.
De parte do governo e das forças populares, apesar de todas dificuldades econômicas, reconhecidas e debatidas todos os dias na imprensa popular, o governo teve a humildade de debater sempre com a população e a convocá-la a se mobilizar. Nunca houve tantas passeatas e mobilizações como nos últimos dois anos.
4. Uma nova escalada do conflito teve início em 9 de janeiro de 2107, quando a Assembleia venezuelana simplesmente decidiu não reconhecer o presidente eleito como chefe da nação. Alguém viu a mesma gritaria como agora? Alguém viu a palavra “golpe” ser usada nesse caso? Não, nenhuma palavra sobre uma Assembleia que simplesmente resolveu destituir o presidente eleito, rompendo com a constituição daquele país. Diante disso, uma série de leis especiais foram promulgadas pelo governo, visto que agora a Assembleia não somente faz oposição e sabotagem, mas também desconhece legalmente o presidente. A partir de então, o conflito entre poderes passa a ser um fator constante e o TSJ – Tribunal Supremo de Justiça -, equivalente ao STF no Brasil, passou a atuar para a sua resolução.
5. O que de fato ocorreu na última semana?
Não foi, nem de perto, um “autogolpe”, como saíram às pressas a proclamar nas Redações da mídia golpista. O TSJ já havia solicitado que a Assembleia não nomeasse os três deputados eleitos pelo Estado do Amazonas que, comprovadamente, cometeram crimes eleitorais (imaginem se o STF resolve de fato atuar aqui nessas questões...) e que, portanto, não deveriam ser empossados. Por se tratarem de três opositores ao governo, a Assembleia descumpriu a ordem do TSJ (lembram do caso Renan e STF?) e, dessa forma, o TSJ considerou a Assembleia incapaz de cumprir suas funções e assumiu o controle dessa.
Em nenhum momento o Parlamento foi fechado ou dissolvido, muito menos a pedido do executivo. Portanto, em nenhum momento se descumpriu a constituição e a lei e nenhuma ditadura foi implantada. Isso tudo só existiu na bem articulada rede golpista que, através de suas mídias, rapidamente divulgou uma avalanche de mentiras e cenas de um golpe que nunca existiu.
O governo de Nicolas Maduro atuou inclusive para restabelecer a ordem, pois acatou a interpretação de inconstitucionalidade proferida pela procuradora-geral e, através do Conselho de Defesa do país (órgão previsto na constituição venezuelana), solicitou ao TSJ que revisse a decisão e devolvesse o poder da Assembleia aos parlamentares.
Alie-se a esse contexto local as artimanhas na OEA, em que o seu presidente, um embaixador indicado pelo Uruguai, sr. Almagro, passou a atuar claramente de acordo com as orientações do governo dos Estados Unidos. Colocou em votação um voto de punição da Venezuela. Precisava de 24 países apoiando a propositura, conseguiu só 19 dos 34 membros. A OEA voltou a ser um bastião colonizador dos interesses dos Estados Unidos. Nenhuma deliberação sobre as prisões ilegais de Guantánamo, as colônias de Porto Rico, Guiana Francesa, Belize e Malvinas. Nenhuma palavra sobre os problemas no Paraguai, Colômbia, Peru, Brasil ou sobre a saída ao mar — direito histórico da Bolivia...
6. Portanto, estamos diante de uma articulação internacional (mídia, poder judiciário, grandes empresas locais e interesses do império dos Estados Unidos) que já derrubou três governos legítimos na América Latina nos últimos anos, utilizando-se de métodos semelhantes. É mais uma tentativa de golpe por parte da direita venezuelana via Parlamento e a grande mídia continental — que conta agora com o apoio do governo golpista brasileiro, que reuniu às pressas o Mercosul para expulsar e isolar a Venezuela. Mas não fez nada para impedir novo golpe no Paraguai em que o Presidente quer impor a reeleição, proibida pela Constituição.
Felizmente a Venezuela conta com um poder Judiciário democrático que não se acovarda , nem se rende diante dos golpistas, como aconteceu no Brasil ou mesmo nos Estados Unidos na eleição do Bush.
7. Devemos ter consciência e acompanhar com atenção as dificuldades de um processo que quer construir uma sociedade igualitária, mas enfrenta as atrofias de um estado burguês e burocrático dominado por uma pequena burguesia acostumada com as propinas do Petróleo. Uma economia dependente e não industrializada, que ainda não consegue ter no trabalho produtivo seu pilar principal.
Um processo de construção democrática, que propõe maior participação popular, em todos os níveis, mas se depara também com as tradições eleitorais do passado.
Sabemos que há vontade política dos dirigentes do processo de estimular cada vez mais o protagonismo da mobilização e organização popular, única forma de superar os dilemas históricos da luta de classes.
É dever nosso, defender esse projeto de soberania popular que luta bravamente em meio à crise e problemas internos, que são manipulados pelos inimigos que desejam a volta ao modelo servil e de exploração que reinava na Venezuela para que a renda petroleira seja apropriada apenas por uma minoria capitalista. Certamente se a Venezuela não fosse o quarto maior produtor e exportador mundial de petróleo não estaria passando por essa situação.
Denunciar essa rede de mentiras é nossa tarefa, contribuindo para manter um presidente eleito democraticamente, de um país símbolo de soberania, diante da ofensiva do imperialismo e defender as conquistas obtidas pelo o povo.
Articulação dos movimentos populares hacia ALBA- Brasil
Edição: Vanessa Martina Silva