Na última terça (21), o presidente não eleito Michel Temer (PMDB) anunciou que pretende retirar servidores municipais e estaduais da proposta que altera as regras da Previdência no país. A exclusão, tida como um recuo diante das manifestações populares contrárias ao projeto, é também vista pelos seus opositores como uma tentativa de fragmentar a luta contra as mudanças.
Chamada pelos seus opositores de “desmonte da Previdência”, a proposta já excluía integrantes das Forças Armadas, bombeiros e policiais.
Caso aprovada, a iniciativa anunciada abarcaria apenas servidores vinculados ao regime próprio. Mesmo entre estes, os de contrato temporário também não seriam excluídos. Os ligados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) continuariam na proposta do governo, que reduz o valor de benefícios e adia aposentadorias. Em termos comparativos, cerca de 3.500 municípios estão ligados ao INSS e somente 2 mil têm regimes próprios.
Temer apresentou como justificativa a autonomia local e o pacto federativo, mas a proposta foi recebida de forma diferente pelos seus opositores.
Ambiguidade
Para Beatriz Cerqueira, coordenadora geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), integrante da direção executiva da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT-MG), a distinção para servidores municipais e estaduais é, simultaneamente, um recuo do governo e uma tentativa de fragmentação da mobilização.
"O anúncio de Temer significa que ele sentiu a força da mobilização e tenta rearranjar, retirando parcelas importantes que compõem essa pressão”, aponta. “A luta contra essa reforma não é de categoria - para excluir um grupo ou outro. Trata-se de uma luta de classe", afirma.
Flávio Batista, professor do Departamento de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Universidade São Paulo (USP), concorda com essa linha, apontando que os trabalhadores da educação foram a principal força social dos atos realizados no dia 15 de março. “A impressão que tenho é que esses setores são muito representativos na mobilização”.
Do ponto de vista jurídico, Batista indica que haveria uma ruptura da tradição estabelecida após 88. “Historicamente, os regimes [de Previdência] próprios sempre foram regulados pela Constituição, portanto, sempre foram iguais. Formalmente, ela dá diretrizes. Então, se for inserido um texto que diz que o servidor federal será de um jeito e os estaduais e municipais serão regulados por leis próprias, isso, abstratamente é possível. Ainda não virou texto, mas, pelas entrevistas, é isso que eles tentarão fazer", diz.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a afirmar que a distinção defendida por Temer "retira pressão" contra a votação sobre os parlamentares.
Fragmentação
Cerqueira ressalta que nem todos servidores serão excluídos das alterações da Previdência.“Ao dizer que servidores estaduais e municipais estariam fora, ele se refere [apenas] àqueles que tem regimes próprios. É uma falsa ideia de que todos servidores ficaram fora. Aqui em Minas Gerais, por exemplo, a maioria dos profissionais da educação continuaria na reforma, porque tem contrato temporário”, diz ela.
Caso a proposta governamental avance, a dirigente sindical entende que, excluídos de uma “reforma” em nível federal, tais servidores enfrentarão o mesmo tipo de medida em nível subnacional.
“Significa que podemos enfrentar reformas piores do que a de Temer [nos estados e municípios]. Isso não nos retira do alvo de ataque. Significa apenas uma pulverização. Cada servidor municipal e estadual terá que fazer sua luta própria depois”, alerta.
Batista aponta que a maior parte dos municípios e estados já se manifestaram a favor das mudanças previdenciárias. “Os estados e municípios sempre foram os maiores interessados na reforma do regime próprio. A estimativa que se faz é que um terço do orçamento dos municípios é usado para pagar salários de servidores inativos. Até o recente anúncio, boa parte dos prefeitos preferia perder os recursos que vêm para a cidade com o pagamento dessas aposentadorias em troca de dar esse alívio no orçamento”, explica.
Saída
Diante do anúncio de Temer, Cerqueira defende que a mobilização se mantenha e vá no sentido contrário ao pretendido pelo governo.
“O fundamental, agora, é fortalecer uma agenda de pressão contra o governo, que é instável, ilegítimo e sem nenhuma sustentação social. A fala dele significa que é possível, pela pressão, vencer a reforma”, propõe.
Apostando em “atos cada vez maiores”, a dirigente analisa que “o caráter nacional da luta - unificando cada vez mais categorias, ramos e movimentos, dialogando cada vez mais com a popular - é a saída”.
“A vitória vai acontecer no dia em que essa reforma for derrotada na votação do Congresso ou sair da pauta”, finaliza.
Edição: Camila Rodrigues da Silva