Nos territórios em conflito há uma presença majoritária de mulheres
Em 2013, oito mulheres pararam por todo um dia a rodovia estadual MG129 na altura do município de Catas Altas (MG), mais precisamente na entrada do distrito de Morro da Água Quente. Pararam a passagem dos caminhões de combustíveis que abastecem o Complexo Fazendão da Vale, onde a empresa extrai minério de ferro de uma mina a menos de 1 km da casa dos moradores. Cansadas de tanta poeira, tanta explosão e tantos filhos com falta de ar e problemas respiratórios, elas pararam. Foi a primeira vez que aquela rodovia foi paralisada naquele lugar e a primeira manifestação de moradores do distrito. E foi construída e realizada pelas mulheres.
Em 2014, 15 mulheres de Porteirinha e Riacho dos Machados, região norte de Minas Gerais, ameaçaram interditar 10 poços de água que a então empresa Carpathian Gold abriu para direcionar água para o processo de extração do ouro. Desde o início das operações as mulheres percebem que a vazão dos cursos d’água no entorno da mina diminuíram significativamente. A utilização dos poços colocaria ainda mais em risco a disponibilidade de água na região. Camponesas, filhas, mães e muitas avós se mobilizaram para fechar elas mesmas os poços com pedras. Cansadas da ameaça constante de diminuição e contaminação, organizaram a ação que somente não aconteceu, naquele momento, porque o Ministério Público interditou os poços.
Esses exemplos e muitos outros demonstram que em quase todos os territórios em conflito com a mineração há uma realidade marcante: uma presença expressiva e majoritária de mulheres nas lutas. E mais: na grande parte dos casos, a maioria dessas mulheres são negras.
Quem são as mulheres em conflito com a mineração?
E quem são as trabalhadoras do setor? Nos anos 80 e 90, dezenas de garimpeiras em Catas Altas (MG) foram muito mais que uma “ajuda” na renda familiar e se despertaram como sujeitos ao realizar esse ofício. Usar calça comprida, poder comprar coisas sem ter que pedir ao pai ou marido e ter autonomia financeira foram ações transformadoras para essas garimpeiras.
Mas essas mulheres realmente existem? Essas histórias de luta são conhecidas e contadas? Quem são as mulheres na mineração? Trabalhadoras, atingidas, militantes, pesquisadoras. Tantas identidades possíveis e às vezes todas ao mesmo tempo.
Numa estrutura tão conservadora e machista, ter a coragem para sair de casa e participar de um encontro, curso ou manifestação; de não se conformar de ter que limpar a casa tantas e tantas vezes mais por causa do pó do minério; de sentir que todo o “progresso” que a mineração traz não paga as noites com o filho no nebulizador; e mais que tudo, ter a coragem de falar que a mineração não precisa ser inevitável se tornam atos altamente revolucionários.
A lutadora social Marta de Freitas afirma que “o silêncio sobre as mulheres na mineração não é à toa. As mulheres têm sido protagonistas em todos os processos de luta contra este modelo destrutivo da mineração. Onde tem mulheres na mineração, tem luta”.
Que tenhamos cada vez mais e mais mulheres com coragem de romper o silêncio! E de dizer que nem é tudo pode ser aceitado como normal. Muito menos este modelo de mineração. E que as lutas inspiradoras puxadas pelas mulheres se espalhem, se consolidem e que sejam reconhecidas por todos!
*Maria Júlia Gomes Andrade é antropóloga e compõe a coordenação do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
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