O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e a organização não governamental (ONG) Anis ingressaram com uma ação judicial no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a legalização do aborto em caso de gestações com até 12 semanas. O documento foi protocolado na noite dessa segunda-feira (6) e se soma ao contexto de reivindicações do Dia Internacional da Mulher, celebrado tradicionalmente em 8 de março.
A ação pede que o Supremo considere nulos os artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam o aborto tanto no caso da mulher que o faz quanto de qualquer pessoa que auxilie a prática. A interrupção da gravidez somente é autorizada quando hárisco de vida para a gestante, em casos de estupro ou ainda de gestação de fetos anencéfalos. Este último foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em abril de 2012, após ação ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
Os propositores da ação protocolada esta semana argumentam que o Código Penal brasileiro data de 1940 e não estaria sintonizado com os princípios da dignidade e da cidadania das mulheres, que são garantidos pela Constituição Federal de 1988.
“Os direitos das mulheres estão sendo violados pelo Código Penal, por isso a lei precisa ser ajustada, afinal, a dignidade e a cidadania são pilares da república brasileira. Isso vem sendo negado especialmente àquelas que são pobres e negras, que são as que mais se submetem a situações degradantes quando, por razões financeiras ou por não quererem ser mães, precisam praticar um aborto”, disse Luciana Genro, do PSOL.
Além de segmentos da área da saúde, movimentos feministas defendem que a criminalização do aborto ofende os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, que são impedidas de decidirem os rumos da própria gravidez. A questão se converte ainda num problema de saúde pública, por conta do alto número de mulheres que morrem em decorrência de práticas abortivas precárias e clandestinas. As entidades e instituições que acompanham a problemática afirmam que não é possível saber o número de mortes porque a criminalização dificulta a notificação dos casos.
A Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), realizada no ano passado pela Anis em parceria com a Universidade Nacional de Brasília (UnB), constatou que, aos 40 anos, uma em cada cinco mulheres já fez pelos menos um aborto no Brasil. Em 2015, por exemplo, foram 417 mil mulheres da zona urbana.
O estudo identificou que, ao se considerarem aquelas que vivem na zona rural ou que não são alfabetizadas, o número sobe para 503 mil. São pelo menos 1.300 por dia, o que corresponde a 57 por hora ou quase uma mulher a cada minuto fazendo aborto.
“O aborto é uma realidade na vida de milhares de mulheres, por isso não podemos fugir desse debate”, completa Genro.
Na ação, o PSOL e a Anis pedem que o STF, antes do julgamento do mérito da questão, conceda uma liminar para suspender o andamento de processos ou os efeitos das decisões judiciais que pretendam aplicar ou que já tenham aplicado os artigos do Código Penal que estão sendo questionados.
A advogada Gabriela Rondon, da Anis, destaca que, do ponto de vista legislativo e jurídico, o Brasil ainda se encontra numa posição retardatária no sentido de proteção dos direitos das mulheres.
“Nossa legislação é uma das mais restritivas do mundo, e essa é uma discussão que já está muito avançada no plano internacional, inclusive dentro das cortes constitucionais, então, esse pedido de agora não é novo. O direito das mulheres sobre a decisão de uma gravidez é um direito fundamental e humano que deve estar na pauta das cortes”, considera a advogada.
Aborto no mundo
No panorama global, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que anualmente são feitos 22 milhões de abortos inseguros, resultando na morte de cerca de 47 mil mulheres.
Nos últimos anos, o debate em torno do tema da descriminalização tem ganhado fôlego graças ao fortalecimento da luta feminista, que tem exigido a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres em diversas partes do mundo.
O Uruguai, por exemplo, legalizou a prática em 2012, tornado-se o segundo país da América Latina a oficializar a liberação. O primeiro deles foi Cuba, em 1965. Países como Estados Unidos, Moçambique, Alemanha, Portugal, México e Colômbia também já descriminalizaram o aborto.
"Não houve, nesses países, aumento do número de abortos, ou seja, não foi a descriminalização que intensificou o acesso a essa última medida, porque também as mulheres não querem fazer aborto. Elas acabam fazendo pelas contingências da vida e precisam ser amparadas pela lei”, afirma Luciana Boiteux, professora de Direito Penal e Criminologia do curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Edição: Camila Rodrigues da Silva