O Arquivo Público do Distrito Federal abriu, no início de fevereiro, um acervo sobre a ditadura no Brasil mantido sob sigilo há mais de 50 anos. Segundo a fonte, são quase 100 caixas de documentos datados entre 1963 até 1990, cobrindo o período do regime militar e parte da redemocratização brasileira, com informações sobre investigações de movimentos políticos, reuniões, congressos estudantis e boletins de ocorrências de prisões políticas.
“A iniciativa do Arquivo Público foi norteada por ação do Arquivo Nacional e de vários arquivos estaduais que trabalharam numa política de reconstituição da memória nacional do período da ditadura militar. Assim, em novembro de 2016, o órgão publicou edital que reconhecia o conjunto documental da Secretaria de Segurança Pública como necessário à recuperação de fatos históricos de maior relevância”.
A referida notícia além de ser celebrada entre historiadores, cientistas políticos e demais pesquisadores da história política recente do Brasil, possui um valor histórico à nossa contemporaneidade e, portanto, não poderia ser esquecida.
A ditadura civil-militar vigente no Brasil durante 21 anos (1964-1985) foi caracterizada pela instituição de um Estado de exceção marcado pelo cerceamento das liberdades democráticas, a autocracia e a repressão institucionalizada. Com o fim desse regime, em 1985, não conseguimos obter uma abertura imediata dos porões da ditadura juntamente com a divulgação da documentação pertinente a tal período. Ao contrário: a saída dos militares do poder presidencial resultou em um ardiloso jogo político de distorção e manipulação do conhecimento histórico acerca do regime, através do monopólio de informações e sigilo confidencial dos documentos públicos que deveriam ser publicizados.
Por conseguinte, o contexto do Brasil após ditadura manteve esse modus operandi dos militares: ocultar as fontes documentais e fraudar a verdade histórica, a fim de negar à sociedade brasileira o direito de conhecimento da sua própria história e a construção de uma verdadeira justiça de reparação para os crimes de Estado cometidos pelo regime.
Nesse sentido, as pesquisas temáticas sobre a ditadura civil-militar têm significativa importância ao se constituirem de um referencial teórico-metodológico para, cientificamente, revelar dados, informações e saberes relacionados ao conhecimento histórico do período ditatorial.
Após três décadas do fim da ditadura, o referido contexto ainda permanece no centro de diversas tensões, disputas e debates entre a história e a memória acerca da compreensão sobre o regime. Nesse conflito, as referidas pesquisas possibilitam a (re)interpretação desse passado através das questões suscitadas no tempo presente e que estão relacionadas ao período de exceção.
Todavia, nosso caminho enquanto pesquisadores de tal temática tem se confrontado com diversos obstáculos, em especial no que se refere à disposição do Estado brasileiro (repleto de resquícios ditatoriais) em dificultar o nosso trabalho mediante o sigilo de documentos históricos, e a não abertura de acervos e arquivos do período, cujas ações fazem parte dessa trama política de ocultação da verdade.
É preciso desarquivar a ditadura. Essa não é uma reivindicação apenas de nós, pesquisadores, nem das vítimas e de seus familiares, mas consiste em um pleito de interesse nacional a respeito de um passado que insiste em não ser revelado. Por quais objetivos? A interesses de quem? Com a palavra, os militares e seus apoiadores...
Aliás, esses dois grupos não só se esquivam de tais questões como também se reservam o direito de forjar a memória sobre os fatos e recusar o nosso acesso aos documentos históricos que deveriam ser coletivos e públicos.
Na contramão desse processo, a lei de acesso à informação (Lei nº 12.527/2011) e a Comissão Nacional da Verdade representam conquistas históricas nessa disputa em torno da história recente do nosso país. Em que pese os limites e as lacunas dessas experiências, a abertura do acervo documental do período militar por parte do Arquivo Público do Distrito Federal, é resultado dessas conquistas.
Este é mais um dos poucos passos que demos, mas que é preciso avançarmos ainda mais no processo de desarquivar o regime civil-militar, através da abertura dos arquivos dos porões da ditadura, cujo conhecimento histórico deve respaldar a luta pela memória, justiça e por uma verdadeira redemocratização em nosso país.
* Taylan Santana Santos é historiador graduado pela UEFS, mestrando em história pela UNEB, pesquisador da história da ditadura civil-militar no Brasil.
Edição: Camila Rodrigues da Silva