Foliões de Belo Horizonte (MG) e do Rio de Janeiro (RJ) realizam nesta sexta (17) um encontro para debater o carnaval de rua como instrumento de resistência. A ideia é discutir, a partir das experiências das duas cidades, questões como o enfrentamento à mercantilização da folia e à imposição de regras pelo poder público. O evento ocorre na Casa Naara, no centro da capital fluminense, às 19h.
A discussão será aberta com a exibição do documentário "BH no ritmo da luta", de 17 minutos. Gravado em 2015 e dirigido por Dandara Andrade, o filme aborda o contexto do ressurgimento dos blocos de rua em Belo Horizonte, cuja origem estão em manifestações de artistas e estudantes em defesa da ocupação urbana.
As mobilizações na capital mineira começaram como forma de contestar ludicamente medidas restritivas do poder público, em especial um decreto de 2009 da prefeitura que proibia eventos na Praça da Estação, no centro da cidade.
De lá para cá, os blocos foram surgindo e começaram a ampliar as pautas, discutindo temas como tarifa zero nos ônibus, déficit habitacional e combate ao preconceito racial, ao machismo e à homofobia.
Segunda Dandara, o documentário tem o objetivo de mostrar ao crescente público do carnaval de Belo Horizonte quais motivações levaram a esse ressurgimento repentino dos blocos.
"É uma forma de conscientizar. Porque é uma festa horizontal, democrática e aberta, sem cordas separando o público e sem abadá. E, para que se mantenha dessa forma, é preciso fortalecer os blocos", reforça a cineasta.
Durante o debate, o fotógrafo carioca Fábio Caffé irá expor seu projeto "Folia de Imagens", criado em 2013. A iniciativa tem como objetivo retratar festas populares, entre elas o carnaval, a partir de personagens e temáticas pouco exploradas pelas mídias tradicionais. Fábio e outros fotógrafos transitam por espaços da cidade, incluindo subúrbios e favelas, para apresentar um olhar sobre a construção mais popular da folia.
Também integrará o debate Luís Otávio Almeida, representante da Desliga dos Blocos do Rio de Janeiro. Trata-se, segundo ele, de um movimento que reúne vários blocos cariocas em defesa do carnaval como festa popular e espontânea. "Essa tentativa de mercantilizar o carnaval, tornando-o um evento enorme, com blocos virando atrações em carros gigantescos, patrocinados por marca de cerveja e com excesso de regras do poder público tira totalmente a espontaneidade da festa. Vira mais um evento da cidade, e perde o caráter de manifestação cultural", lamenta.
A Desliga dos Blocos surgiu em 2009 contestando regras criadas pela Prefeitura do Rio Janeiro para a formação dos blocos. Seus integrantes defendem que músicos e foliões se divirtam sem megaestrutura, sem limitações de horários e sem patrocínios. Estas são, por exemplo, características do Cordão do Boitolo, bloco do qual participa Luís Otávio Almeida. "O carnaval sempre foi um grande instrumento para o povo fazer a sua crítica político-social. As marchinhas são uma amostra disso. Mas a Desliga dos Blocos não fala em politizar o carnaval e sim em carnavalizar a política", acrescenta.
Contestação
Para o historiador mineiro Marcos Maia, a contestação é uma característica própria do carnaval. "Desde a era medieval, evidencia-se esse elemento político. [O carnaval] era o momento em que as pessoas se despiam de seu poder e de suas hierarquias e iam pra rua brincar e criticar de forma alegre a igreja e o poder. Hoje, vemos o enredo de várias escolas tocando em questões políticas", afirma.
Os problemas com o poder público também não são uma novidade dos tempos atuais. Maia destaca que, já no fim do século 19 e início do século 20, as autoridades impunham restrições ao entrudo, uma modalidade de carnaval que chegou com os portugueses durante o período colonial. Trata-se de uma brincadeira em que as pessoas jogavam, umas nas outras farinha, baldes de água, limões de cheiro, areia, etc. Em Belo Horizonte, um prefeito proibiu o entrudo em 1913, permitindo apenas o uso de confete, serpentina e lança perfume.
Também neste período, empresários e profissionais liberais fundaram nas grandes cidades brasileiras diversos clubes sociais, onde se realizavam festas e eventos.
No carnaval, estes clubes organizavam desfiles de carros alegóricos, que muitas vezes contava com uma ala de carros críticos. "No Rio de Janeiro, alguns trouxeram posições escancaradas contra a escravidão e o decadente Império. Em Belo Horizonte, quando o primeiro clube foi criado, a República já havia sido proclamada, mas questões como a alta dos impostos apareciam nos desfiles", diz Maia.
Em relação ao movimento recente de Belo Horizonte, o historiador acredita que se trata de um processo mundial, a exemplo de outros lugares do mundo aonde jovens vêm se mobilizando politicamente através da internet. Mas o historiador ressalta que há peculiaridades.
"Os blocos ressurgiram no Rio de Janeiro já há alguns anos e, assim como os clubes e escolas de samba, chegaram depois em Belo Horizonte. Essa circularidade é um processo natural da cultura. Mas não é uma imitação, é uma troca, porque tem as particularidades. Em Belo Horizonte, é um processo muito rico, com blocos pautando questões candentes. Hoje são mais de 300 blocos e nem todos têm esta característica. Mas os que têm foram a vanguarda do processo. E Belo Horizonte, talvez, tenha isso mais forte que as outras cidades", avalia.
Edição: Camila Rodrigues da Silva